Alfabetização de estudantes autistas : efeitos da instrução fônica associada à estimulação de funções executivas

Abstract

Resumo: O Transtorno do Espectro Autista (TEA) caracteriza-se por alterações no desenvolvimento social, comunicativo e cognitivo, frequentemente acompanhadas de dificuldades em funções executivas (FE) e em processos de escolarização. Tais desafios demandam práticas pedagógicas adaptadas, que considerem as especificidades cognitivas dessa população. Nesse contexto, este estudo teve como objetivo analisar os efeitos de uma intervenção estruturada, fundamentada na associação entre instrução fônica e estimulação de FE, sobre o processo de ensino-aprendizagem inicial da leitura e da escrita de estudantes com TEA. A pesquisa foi conduzida em escolas da rede municipal de Pinhais (PR), envolvendo 18 estudantes autistas do 1º ano do Ensino Fundamental, distribuídos em dois grupos: 10 participantes no Grupo Intervenção (GI) e 8 no Grupo Controle (GC). Para fins comparativos, um Grupo de Desenvolvimento Neurotípico (GDN; n=10) foi incluído exclusivamente no pós-teste. O protocolo de intervenção integrou atividades de instrução fônica — com ênfase no desenvolvimento da consciência fonológica (CF), habilidade metalinguística essencial à alfabetização — e treino de FE. A intervenção foi composta por 22 sessões, realizadas em trios, duplas ou individualmente, de acordo com as necessidades dos estudantes. Antes da intervenção, aplicou-se um pré-teste que avaliou conhecimento de letras, CF, leitura e escrita de palavras isoladas, além de componentes de FE (memória de trabalho, controle inibitório, flexibilidade cognitiva e planejamento). A análise do pré-teste permitiu a formação dos grupos GI e GC, sem diferenças estatisticamente significativas em leitura e escrita. No pós-teste, reaplicaram-se todas as tarefas, acrescidas de uma prova de compreensão leitora. O GDN realizou apenas as provas de leitura, escrita e compreensão de textos. Os resultados indicaram que, em CF, não houve diferenças estatísticas entre GI e GC; contudo, o GI apresentou melhora significativa em consciência fonêmica. Em FE, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas no GI entre os dois momentos de avaliação em controle inibitório, planejamento, flexibilidade cognitiva e memória de trabalho (verbal e visuoespacial), embora de forma heterogênea. A memória de trabalho fonológica, apesar de não apresentar aumento estatisticamente significativo, foi o componente executivo mais fortemente correlacionado à leitura e à escrita, confirmando seu papel central na alfabetização. As comparações entre os três grupos no pós-teste não revelaram diferenças estatisticamente significativas em leitura e escrita, mas os escores brutos indicaram desempenho superior do GI em relação ao GC. Além disso, o Índice de Mudança Confiável (IMC) evidenciou avanços consistentes no GI, superiores aos limites esperados pelo erro de medida. Em compreensão leitora, não foram verificadas diferenças estatísticas entre os grupos, o que sugere que essa habilidade ainda se encontra em consolidação no estágio inicial da alfabetização. Em síntese, os resultados apontam que a integração entre instrução fônica e estimulação de FE configura-se como uma estratégia pedagógica eficaz para favorecer o desenvolvimento da leitura e da escrita em estudantes com TEA. A instrução fônica, amplamente reconhecida como eficaz para aprendizes neurotípicos, mostrou-se igualmente pertinente para estudantes autistas, sobretudo quando associada ao fortalecimento da memória de trabalho fonológica, componente essencial para a decodificação e a ortografia

Abstract: Autism Spectrum Disorder (ASD) is characterized by alterations in social, communicative, and cognitive development, frequently accompanied by difficulties in executive functions (EF) and in school learning processes. Such challenges demand adapted pedagogical practices that consider the cognitive specificities of this population. In this context, the present study aimed to analyze the effects of a structured intervention, based on the association between phonics instruction and EF stimulation, on the early teaching learning process of reading and writing in students with ASD. The research was conducted in public schools of the municipal network of Pinhais (Brazil) and involved 18 autistic students enrolled in the 1st grade of elementary school, distributed into two groups: 10 in the Intervention Group (IG) and 8 in the Control Group (CG). For comparative purposes, a Neurotypical Development Group (NDG; n=10) was included exclusively in the post test. The intervention protocol integrated phonics-based instruction activities — emphasizing the development of phonological awareness (PA), a metalinguistic skill essential to literacy — and EF training. The intervention consisted of 22 sessions, conducted in trios, pairs, or individually, according to the students’ needs. Before the intervention, a pre-test was applied to assess letter knowledge, PA, word reading and writing, and EF components (working memory, inhibitory control, cognitive flexibility, and planning). Pre-test analyses confirmed the equivalence between IG and CG in reading and writing performance. In the post-test, all tasks were re-applied, and a reading comprehension test was added. The NDG performed only reading, writing, and text comprehension tasks. Results indicated no significant differences between IG and CG in overall PA; however, a significant improvement in phonemic awareness was observed in the IG. Regarding EF, statistically significant gains were verified in inhibitory control, planning, cognitive flexibility, and working memory (verbal and visuospatial), although in a heterogeneous pattern. Phonological working memory, despite not showing statistically significant increases, was the EF component most strongly correlated with reading and writing, confirming its central role in literacy. Comparisons among the three groups in the post-test revealed no statistically significant differences in word reading and writing; however, raw scores indicated superior performance in the IG compared to the CG. The Reliable Change Index (RCI) showed consistent advances in the IG, beyond measurement error. No significant differences were observed in reading comprehension, suggesting that this skill is still consolidating at the early stages of literacy. In summary, the results indicate that integrating phonics instruction and EF stimulation constitutes an effective pedagogical strategy to promote reading and writing development in students with ASD. Phonics instruction, widely recognized as effective for neurotypical learners, also proved pertinent for autistic students, especially when combined with the strengthening of phonological working memory, a key component for decoding and spelling