Litigância estratégica e reprodução em pauta : mediações e disputas entre governança e justiça reprodutiva no STF
Visualizar/ Abrir
Data
2025Autor
Lima, Francielle Elisabet Nogueira
Metadata
Mostrar registro completoResumo
Resumo: Esta tese tematiza a reprodução como arena social e política, com foco na litigância estratégica em temas de direitos sexuais e direitos reprodutivos (DSDR) perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Parte-se da compreensão da reprodução como fenômeno regulado por normas e intensamente disputado nos campos político e jurídico, atravessado por processos de juridificação que, dentre outras repercussões, têm transferido para o Judiciário conflitos historicamente situados na esfera sociopolítica – com ênfase nos debates sobre aborto legal e planejamento reprodutivo. O objetivo principal é analisar como os discursos e práticas associados à litigância estratégica em temas relacionados à reprodução no STF contribuem para a conformação de regimes de governança reprodutiva e para a afirmação de paradigmas de justiça reprodutiva, considerando os embates entre diferentes atores sociais, os dispositivos normativos e os impactos no reconhecimento e efetivação dos DSDR no Brasil. A metodologia combina pesquisa bibliográfica e empírica, incorporando observação participante, etnografia documental e procedimentos da Análise Temática. O corpus da investigação é composto pelas manifestações dos amici curiae e pelos andamentos processuais relevantes nas ADPFs 989 e 1141, bem como na ADI 5911. O trabalho é motivado por razões sociais (a intensificação das ofensivas antigênero e as resistências a esses movimentos, refletidas nas dinâmicas dos litígios analisados), científicas (a incipiência de estudos sobre as dimensões jurídico-discursivas da litigância em DSDR) e pessoais (a trajetória da pesquisadora na Clínica de Direitos Humanos da UFPR). Entre os principais resultados, a tese demonstra que a litigância estratégica em DSDR atua como prática situada de incidência jurídico-política, marcada por confrontos entre projetos progressistas e neoconservadores. No âmbito do STF, ela se configura como uma arena de embate por regimes concorrentes de governança reprodutiva, nos quais forças políticas antagônicas mobilizam ferramentas jurídicas para redefinir os contornos normativos da reprodução. Essa dinâmica se revela com particular intensidade nos casos paradigmáticos analisados, em que diferentes gramáticas – jurídicas, morais e técnicas – são acionadas para tensionar os sentidos de autonomia, justiça, cidadania e proteção jurídica, almejando ora a restrição, ora a ampliação de direitos. A pesquisa identifica a mobilização de discursos neoconservadores – notadamente aqueles articulados em torno de agendas pró-vida e pró família – como instrumentos das estratégias de juridificação reativa e de advocacy antigênero. Tais discursos se mostram especialmente atuantes nos debates sobre aborto legal, ao buscar reconfigurar os sentidos da proteção jurídica da reprodução, deslocando o foco da autonomia da pessoa gestante para uma concepção abstrata da vida fetal, em confronto com princípios constitucionais como dignidade, liberdade e igualdade. Por outro lado, a tese evidencia que a litigância estratégica em DSDR, enquanto ferramenta de advocacy, constitui também um espaço privilegiado para a promoção teórica e política da justiça reprodutiva. Ao tensionar noções liberais de autonomia individual e evidenciar desigualdades estruturais de raça, classe e território, os discursos e práticas em litigância comprometidos com a ampliação de direitos contribuem para a reformulação crítica dos debates sobre reprodução, articulando demandas por reconhecimento jurídico e garantias fundamentais com denúncias de violações sistemáticas. O trabalho também oferece subsídios concretos para a atuação de organizações e movimentos sociais comprometidos com a defesa dos DSDR, sobretudo no desenvolvimento de estratégias jurídicas e políticas afinadas com a justiça social e reprodutiva Abstract: This dissertation explores reproduction as a social and political arena, with a focus on strategic litigation concerning sexual rights and reproductive rights (SRRR) before the Brazilian Supreme Federal Court (STF). It starts from the understanding of reproduction as a normatively regulated phenomenon that is intensely contested in political and legal arenas, shaped by processes of juridification that, among other effects, transfer historically sociopolitical conflicts to the Judiciary -particularly in debates around legal abortion and reproductive planning. The main objective is to analyze how the discourses and practices associated with strategic litigation on reproductive issues before the STF contribute to the shaping of reproductive governance regimes and to the advancement of reproductive justice paradigms, considering the disputes among various social actors, legal frameworks, and the impacts on the recognition and realization of SRRR in Brazil. The methodology combines bibliographic and empirical research, incorporating participant observation, document-based ethnography, and thematic analysis procedures. The empirical corpus consists of amici curiae briefs and key procedural developments in the cases ADPF 989, ADPF 1141, and ADI 5911. This research is driven by social (the intensification of antigender offensives and the resistance movements they provoke, as reflected in the litigation analyzed), scientific (the lack of studies on the legal-discursive dimensions of SRR-related litigation), and personal motivations (the researcher’s trajectory within the Human Rights Clinic at UFPR). Among its main findings, the dissertation demonstrates that strategic litigation in SRRR functions as a situated practice of legal-political advocacy, marked by confrontations between progressive and neoconservative projects. Within the STF, litigation becomes an arena where opposing reproductive governance regimes are negotiated, with antagonistic political forces using legal tools to redefine normative frameworks around reproduction. This dynamic is especially evident in the analyzed cases, where different legal, moral, and technical grammars are mobilized to contest meanings of autonomy, justice, citizenship, and legal protection -seeking either to restrict or expand rights. The research identifies the mobilization of neoconservative discourses—particularly those linked to "pro life" and "pro-family" agendas—as instruments of reactive juridification and antigender advocacy. These narratives are especially prominent in legal abortion cases, aiming to shift the focus of legal protection from the pregnant person's autonomy to an abstract conception of fetal life, challenging constitutional principles such as dignity, freedom, and equality. Conversely, the dissertation shows that strategic litigation in SR and RR, as an advocacy tool, also serves as a privileged space for the theoretical and political promotion of reproductive justice. By questioning liberal notions of individual autonomy and exposing structural inequalities related to race, class, and territory, SRRR litigation committed to the expansion of rights contributes to a critical reformulation of reproductive debates, linking legal recognition and fundamental guarantees with the denouncement of systemic violations. Finally, the research offers concrete contributions to the work of organizations and social movements committed to the defense of SRR, particularly in the development of legal and political strategies rooted in social and reproductive justice
Collections
- Teses [329]