Leitura e cárcere : análise das práticas de leitura no programa de remição de pena pela leitura
Resumo
Resumo: Esta pesquisa analisa diferentes enunciados que compõem a remição de pena pela leitura no Brasil, política que permite que pessoas privadas de liberdade diminuam até quatro dias de sua pena após lerem um livro e terem seu relatório (geralmente em formato de resenha) aprovado por responsáveis pela validação da remição. O corpus de análise é composto de normativas que disciplinam a remição de pena pela leitura no Brasil e resenhas produzidas por leitoras privadas de liberdade para fins de remição na Penitenciária Feminina do Paraná, durante o ano de 2024. O trabalho tem como objetivo analisar as práticas de leitura no cárcere a partir dos questionamentos: 1) de que forma as perspectivas das normatizações e das leitoras sobre a leitura coexistem no contexto da remição de pena?; 2) como a norma é assumida por essas leitoras e por quem os avalia?; e 3) há nas resenhas produtos da remição de pena pela leitura a expressão verbalizada do ato individual e único de cada leitura? A pesquisa inicia com uma retomada histórica sobre a constituição do poder punitivo e do cárcere, no Brasil e no mundo, baseada em perspectivas críticas a respeito dessas instituições. Os referenciais teóricos para essa revisão são Zaffaroni (2013), Melossi e Pavarini (2014), Davis (2020), entre outros. Em seguida, é analisado o histórico de documentos que normatizam essa prática de remição, a partir de Godinho e Julião (2022), dando especial atenção às orientações a respeito da aquisição dos livros para a leitura no cárcere; ao frequente interesse de políticos e representantes religiosos na leitura na prisão; ao uso constante de expressões como "transformação", "elevação intelectual" e "aperfeiçoamento intelectual" nos textos orientadores; e à forma como a leitura é colocada como alternativa à educação formal e destinada apenas aos presos alfabetizados na Lei estadual paranaense Nº 17.329, de 2012, legislação pela qual as práticas de leitura nos presídios paranaenses são organizadas. Na sequência, passamos para a análise de seis resenhas produzidas por pessoas privadas de liberdade no programa de remição de pena pela leitura. Nessa análise, ressaltamos de que forma a organização normativa da leitura e o ato próprio individual de cada leitora compartilham o espaço da produção do texto. Notamos como as resenhas estabelecem diálogos com o livro lido, até mesmo por recursos estilísticos utilizados por suas autoras. Observamos também o modo como a leitura é valorada como caminho para uma transformação pessoal, semelhante ao que fazem as normatizações, e a forma como essas leitoras expandem o contexto dialógico das obras, atribuindo significados únicos a partir de suas experiências singulares como mulheres encarceradas no século XXI. Percebemos, especialmente, como o espaço geográfico do cárcere se faz presente nas leituras, e como as resenhas apresentam-se, dessa forma, como um lugar para que essas leitoras compartilhem sua vivência com os interlocutores. Concluímos, a partir das análises, que as singularidades das leituras não são valorizadas pelos parâmetros avaliativos da remição de pena, que parecem associar a "compreensão do livro" aos resumos de seus enredos, não às interpretações únicas das leitoras. Ainda, consideramos que a leitura das resenhas por parte dos responsáveis pela institucionalização da política de remição de pena pela leitura pode trazer contribuições muito significativas, na medida em que representam a realidade da leitura no cárcere pelos seus agentes — as leitoras. Todas as análises têm como norte metodológico a análise dialógica de discurso baseada nos escritos de Mikhail Bakhtin, tais quais Para uma filosofia do ato responsável (2010), Os gêneros do discurso (2016), Teoria do romance I (2015) e os textos sobre Dostoiévski compilados em Estética da criação verbal (2011) Abstract: This research analyzes different utterances that constitute sentence remission through reading in Brazil, a policy that allows people deprived of liberty to reduce their sentence by up to four days after reading a book and having their report (usually in review format) approved by those responsible for validating the remission. The corpus of analysis is composed by regulations that govern sentence remission through reading in Brazil and reviews produced by readers deprived of liberty for the remission at the Penitenciária Feminina do Paraná, in 2024. The study aims to analyze reading practices in prison based on the following questions: 1) how do the perspectives of the norms and of the readers on reading coexist in the context of sentence remission?; 2) how is the norm assumed by these readers and by those who evaluate them?; and 3) do the reviews — product of sentence remission through reading — verbalize the individual and unique act of reading? The research begins with a historical overview of the constitution of punishments and prison in Brazil and worldwide, drawing on critical perspectives on these institutions. The theoretical references for this review are Zaffaroni (2013), Melossi and Pavarini (2014), Davis (2020), among others. Then, the study examines the history of documents that regulate this remission practice, based on Godinho and Julião (2022), with special attention to the guidelines regarding the acquisition of books for reading in prison; the frequent interest of politicians and religious representatives in reading in prison; the recurrent use of expressions such as "transformation", "intellectual elevation" and "intellectual improvement" in guiding texts; and how reading is positioned as an alternative to formal education and restricted to literate people in Paraná state law No. 17,329 of 2012, legislation by which reading practices in Paraná prisons are organized. Next, we move on to the analysis of six reviews produced by people deprived of liberty in the sentence reduction through reading. This analysis highlights how the normative organization of reading and the individual act of each reader coexist within the space of text production. We note how the reviews establish dialogues with the book read, also through stylistic resources used by their authors. We also observe how reading is valued as a path to personal transformation, like what standardizations do, and how the readers expand the dialogical context of the book, attributing unique meanings grounded in their singular experiences as women incarcerated in the 21st century. We notice how the geographic space of the prison is present in the readings and how the reviews function as a place for these readers to share their experiences with the interlocutors. We conclude, based on the analyses, that the singularities of the readings are not valued by the evaluation parameters of sentence remission, which seem to associate the "understanding of the book" with plot summaries rather than unique interpretations of the readers. Furthermore, we consider that the reading of the reviews by those responsible for implementing the sentence remission through reading policy can bring very significant contributions, as these texts represent the reality of reading in prison as experienced by its primary agents — the readers. All analyses are guided by the methodological framework of dialogic discourse analysis, based on the writings of Mikhail Bakhtin, such as Para uma filosofia do ato responsável (2010), Os gêneros do discurso (2016), Teoria do romance I (2015), and the texts on Dostoevsky compiled in Estética da criação verbal (2011)
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