A regulamentação pelo Conselho Federal de Medicina da figura savior sibling : uma análise da (in)dignidade de concepção de filho cura sob a perspectiva civil-constitucional

Abstract

Resumo: O instituto savior sibling ainda é um tema pouco explorado nos acolhimentos institucionais brasileiros. A atual legislação não contempla, em nenhum trecho da codificação ou legislação esparsa, a possibilidade de técnicas de reprodução humana assistida serem utilizadas para se conceber um filho compatível que sirva como doador para um filho preexistente doente. Todavia, a despeito da ausência de previsão legal expressa, o Conselho Federal de Medicina possui previsão normativa autorizando a prática. Diante disso, levando em consideração a possível objetificação humana e potencial violação ao planejamento familiar, a presente pesquisa tem como foco responder à seguinte pergunta: mostra-se legal e ética a autorização dada pelo CFM para autorizar o uso da RHA no intuito de conceber um filho com o propósito de curar outro já existente? A metodologia civil constitucional, com o uso da técnica da pesquisa bibliográfica e da revisão documental, norteia a realização da pesquisa. Nesse contexto, inicialmente, é importante destacar que a reprodução humana assistida foi concebida para pessoas inférteis ou que não podiam, de forma natural, efetivar o seu projeto familiar. Ocorre que, com a evolução biotecnológica, a reprodução humana assistida passou a ser utilizada não apenas para auxiliar tais pessoas, mas também para salvar filhos já existentes que precisavam de um transplante de medula/células-tronco ou de um órgão. Observou-se que, diante da omissão do Poder Legislativo brasileiro, coube ao Conselho Federal de Medicina estabelecer os critérios normativos e as hipóteses em que o savior sibling seria admitido. Diante dessa possibilidade normativa, ainda que não prevista na Lei, o Poder Judiciário brasileiro tem reconhecido a prática como legítima, embora não se debruce diretamente sobre o assunto, ao determinar o dever de cobertura da reprodução humana assistida por parte das operadoras de saúde para concepção do filho-cura. Ou seja, trata-se de um fenômeno atual, mas que movimenta muitas paixões e entendimentos dissonantes, seja em defesa da prática, seja criticando sua aplicação. Defendeu-se, neste tocante, a partir de uma metodologia civil- constitucional, que a dignidade da pessoa humana não comporta flexibilização para instrumentalizar o ser humano, ainda que se trate de uma situação extrema e delicada. É sustentado que o debate não pode ser exclusivamente médico, exigindo uma reflexão sobre autonomia, poder familiar, dignidade e autoridade parental. Ao final, conclui-se que o Brasil precisa enfrentar a temática e trazê-la para a esfera pública, de modo que não se pode admitir que a discussão sobre a adequação e os critérios para desenvolvimento do savior sibling se dê em um contexto estritamente classista, sem participação democrática.

Abstract: The savior sibling institute is still a little-explored topic in Brazil. The current legislation does not encompass, in any section of the codification or scattered legislation, the possibility of assisted human reproduction techniques being used to conceive a compatible child to serve as a donor for a pre-existing sick child. However, despite the absence of explicit legal provisions, the Federal Council of Medicine has normative provisions authorizing the practice. In light of this, considering the potential human objectification and the potential violation of family planning, this research aims to answer the following question: is the authorization given by the CFM to use assisted human reproduction (AHR) to conceive a child for the purpose of curing an existing child legal and ethical? Constitutional civil methodology, using bibliographic research and documentary review techniques, guides the research. In this context, it is important to note initially that assisted human reproduction was conceived for infertile individuals or those who could not naturally fulfill their family plan. However, with biotechnological evolution, assisted human reproduction began to be used not only to assist such individuals but also to save existing children in need of a bone marrow/stem cell transplant or organ. It was observed that, in the absence of Brazilian Legislative Power, the Federal Council of Medicine took on the task of establishing normative criteria and scenarios in which the savior sibling would be admitted. Faced with this normative possibility, even though not foreseen in the law, the Brazilian judiciary has recognized the practice as legitimate, although it does not directly delve into the matter but determines the duty of health insurance providers to cover assisted human reproduction for the conception of the cure-child. In other words, it is a current phenomenon that invoke many passions and conflicting opinions, whether in support of the practice or criticizing its application. In this regard, it is argued, based on a constitutional civil methodology, that the dignity of the human person does not allow for flexibility to instrumentalize human beings, even in extreme and delicate situations. It is asserted that the debate cannot be exclusively medical, requiring reflection on autonomy, family power, dignity, and parental authority. In conclusion, it is argued that Brazil needs to address the issue and bring it into the public sphere, as the discussion about the adequacy and criteria for the development of the savior sibling should not occur in a strictly classist context without democratic participation.