O discurso antivacina na pandemia de Covid-19 : convergência de sentidos em diferentes domínios do saber

Abstract

Resumo: Este trabalho procura investigar como ocorre a produção de efeitos de sentido no discurso antivacina, tomando como conjuntura de análise enunciados que circularam no Brasil durante os anos de 2020 e 2021 a respeito das vacinas contra o coronavírus. Vimos no acontecimento histórico chamado pandemia de covid-19 o crescimento de rejeições e desconfianças em relação à produção de vacinas e, ainda que a negação de certos conhecimentos produzidos pela ciência não fosse um fenômeno novo, a vacinação estava, até então, relativamente estabelecida na sociedade brasileira. Para empreender essa investigação, este estudo orienta-se pela análise de discurso (AD), que fornece o aparato teórico e analítico (Pêcheux, 2006, 2014; Orlandi, 2000, 2007). O corpus é constituído com base em um arquivo a respeito dos discursos que se opuseram à vacina contra a covid-19, a partir do qual são organizadas sequências discursivas, que, no nível da circulação, mostram o funcionamento de determinados sentidos. A organização metodológica proposta para este trabalho recorta, dentro do arquivo de discursos antivacina, três domínios de conhecimentos distintos: o do senso comum, representado por boatos; o político-institucional, com enunciados proferidos pelo presidente da República do período; e o saber médico, no qual se inscrevem falas de profissionais da saúde. Procura-se examinar nessas materialidades como o atravessamento de saberes vinculados a diversos campos do conhecimento produzem sentidos, a partir da inscrição dos sujeitos, considerando as condições nas quais esses discursos foram proferidos, ou seja, suas relações com a história e a ideologia. Os resultados mostram a existência de um conjunto de traços linguísticodiscursivos que se inscrevem na ordem da repetibilidade, justificando a configuração de uma formação discursiva antivacina (FDA) na constituição de determinados sentidos. Esses traços dizem respeito a uma feição genérica e vaga do discurso, a um apelo ao imaginário de conhecimento científico e à projeção de um sujeito de livre vontade e autônomo. Além disso, as análises indicam que há na FDA o funcionamento da heterogeneidade, que trabalha no confronto, nas contradições e no atravessamento de diferentes campos do saber, o que significa que a relação dos sujeitos com o conhecimento também tem a ver com a inscrição na história e sua filiação ideológica.

Abstract: This study intends to investigate how the production of meaning effects occurs in antivaccine discourse, taking utterances regarding vaccines against the coronavirus that circulated during the years 2020 and 2021, in Brazil, as the context for analysis. We saw in the historical event known as the COVID-19 pandemic the growth of rejection and distrust in relation to the vaccine production. Although the denial of certain knowledge produced by science was not a new phenomenon, vaccination was, until then, relatively established in Brazilian society. That said, this investigation is guided by discourse analysis, which provides the theoretical and analytical bases (Pêcheux, 2006, 2014; Orlandi, 2000, 2007). The corpus consists of an archive concerning the discourses that opposed the COVID-19 vaccines, from which discursive sequences are organized to show the functioning of meanings at the level of social circulation. The methodological organization selects three distinct knowledge domains from the archive of anti-vaccine discourses: the common sense, represented by rumors; the politicalinstitutional field, with statements by the former president of Brazil; and the medical knowledge, with declarations of physicians. We attempt to examine in these linguistic materialities how the crossing of different knowledge produces meaning, based on the inscription of the subjects, and considering the conditions in which these discourses were pronounced, i.e., their relationships with history and ideology. The results show the existence of a set of linguistic-discursive features that conform to the domain of repeatability, justifying the configuration of an anti-vaccine discursive formation in the constitution of certain meanings. These features concern a generic and vague aspect of the discourse, an appeal to the imaginary of scientific knowledge, and the projection of a free-willed and autonomous subject. Furthermore, the analyses indicate that heterogeneity operates in the anti-vaccine discursive formation, which works on confrontation, contradictions and the crossing of different fields of knowledge. It means that the relationship between subjects and knowledge also concern to their inscription in the history and their ideological affiliation.