O milho entre o alimento-cultura e a mercadoria-commodity : relações jurídicas dependentes e o cercamento das práticas dos povos agricultores no Brasil
Resumo
Resumo: Originário do trabalho de seleção e cultivo dos povos da Mesoamérica, o milho teve seu centro de disseminação secundária na América do Sul entre 6.500 e 5.000 anos atrás. Povos indígenas das regiões baixas amazônicas, do Cerrado e da Mata Atlântica desenvolveram ao longo desses milênios modos próprios de conservação, seleção e manejo do milho, resultando em intensa agrobiodiversidade no Brasil. No período colonial, o milho foi cultura agrícola fundamental para a subsistência e a reprodução da força de trabalho, tendo se consolidado em sua forma mercadoria. E quando há o intercâmbio de mercadorias no capitalismo, há relações jurídicas. No entanto, o milho não assumiu a forma de mercadoria simples, como outras culturas agrícolas originárias de nossa América. Ao longo do processo colonial e das transformações do capitalismo dependente, elevou-se a mercadoria-commodity. Tampouco perdeu o seu vínculo com o trabalho vivo camponês, indígena ou tradicional dos povos agricultores. Situa-se numa tensão entre alimento, mercadoria e commodity, cujos conflitos e embates se amplificam na intensificação do capitalismo dependente brasileiro, na transnacionalização e concentração corporativa sobre os insumos agrícolas, em especial sementes, máquinas e agrotóxicos. Sobre esse processo que combina cercamento tecnológico e jurídico sobre as práticas dos povos agricultores, as relações jurídicas assumiram formas específicas na divisão internacional do trabalho, as quais identificamos como relações jurídicas dependentes. Assim, utilizando-nos dos marcos entrelaçados da teoria marxista da dependência, do direito e de teorias e pesquisas críticas no campo da agronomia, geografia e do direito latino-americano, objetivamos nesta tese: (i) investigar concretamente as relações e as formas jurídicas dependentes a partir da transformação da semente/alimento de milho para commodity, identificando os cercamentos jurídicos e tecnológicos; (ii) compreender o processo de expropriação e garantia de produção-circulação da mercadoria milho por meio das relações jurídicas nacionais e internacionais, como uma dimensão das relações desiguais entre nações; (iii) possibilitar, em conjunto com outras pesquisas recentes, a atualização do debate da dependência no Brasil, a partir da agricultura, relacionando-o com a crítica jurídica. Enfatizamos nesta pesquisa as formas jurídicas no capitalismo dependente brasileiro: a) privatização e espoliação das sementes via propriedade intelectual e patenteamento; b) incorporação do pacote tecnológico agrícola toxicodependente de sementes transgênicas e agrotóxicos; c) acumulação originária permanente de capital por intermédio das práticas agrícolas e sementes crioulas, tradicionais ou locais dos povos agricultores. Utilizamos como metodologia de investigação a Assessoria Jurídica Popular como prática e teoria de atuação jurídico-política de contestação e afirmação de direitos humanos, além do desvelamento de sonegações e negações de mecanismos institucionais e das desigualdades de acesso à justiça. São categorias centrais de nossa análise a acumulação originária de capital, a renda da terra, a subsunção formal e real do processo de trabalho dos agricultores e agricultoras e a transferência de valor via intercâmbio desigual, todas situadas sob a lente da dependência e da divisão internacional do trabalho. Abstract: Originating from the selection and cultivation work of Mesoamerican peoples, maize had its secondary dissemination center in South America between 6,500 and 5,000 years ago. Indigenous peoples from the lower Amazonian regions, the Cerrado, and the Atlantic Forest, developed over these millenniums their own ways of conservation, selection, and management of corn, resulting in intense agrobiodiversity in Brazil. In the colonial period, corn was a fundamental agricultural crop for subsistence and for the reproduction of the labor force, having consolidated itself in its merchandise form. And when goods are exchanged in capitalism, there are legal relations. However, maize did not assume the form of a simple good, like other agricultural crops that originated in our America. Throughout the colonial process and the transformations of dependent capitalism, it rose to commodity. Nor did it lose its link to the living peasant, indigenous or traditional labor of the farming peoples. It is situated in a tension between food, merchandise, and commodity, whose conflicts and clashes are amplified in the intensification of Brazilian dependent capitalism, in the transnationalization and corporate concentration over agricultural inputs, especially seeds, machinery, and pesticides. Over this process that combines technological and legal enclosure over the practices of agricultural peoples, legal relations have assumed specific forms in the international division of labor, which we identify as dependent juridical relations. Thus, using the interwoven frameworks of Marxist Dependency Theory, of Marxist Theory of Law, and critical theories and research in Latin American agronomy, geography, and law, we aim in this thesis to: (i) concretely investigate the dependency relations and legal forms from the transformation of seed/food from corn to commodity, identifying the juridical and technological enclosures; (ii) understand the process of expropriation and guarantee of production-circulation of the corn commodity through national and international juridical relations, as a dimension of the unequal relations between nations; (iii) enable, together with other recent research, the updating of the dependency debate in Brazil, from agriculture, relating it to juridical criticism. In this research we emphasize the legal forms in Brazilian dependent capitalism: a) privatization and spoliation of seeds via intellectual property and patenting; b) incorporation of the toxic-dependent agricultural technological package of transgenic seeds and pesticides; c) permanent original accumulation of capital through the agricultural practices and native, traditional, or local seeds of the agricultural peoples. We use as methodology of investigation the Popular Legal Assistance as practice and theory of legal-political action of contestation and affirmation of human rights, as well as the unveiling of denials and denials of institutional mechanisms and inequalities of access to justice. Central categories of our analysis are the original accumulation of capital, land rent, formal and real subsumption of the labor process, and the transfer of value via unequal exchange, all situated under the lens of dependency and the international division of labor. Resumen: Originario de las labores de selección y cultivo de los pueblos mesoamericanos, el maíz tuvo su centro de difusión secundaria en Sudamérica hace entre 6.500 y 5.000 años. Los pueblos indígenas de las regiones de la baja Amazonia, el Cerrado y la Mata Atlántica desarrollaron sus propias formas de preservar, seleccionar y manejar el maíz a lo largo de los milenios, lo que dio lugar a una intensa agrobiodiversidad en Brasil. En el período colonial, el maíz era un cultivo agrícola fundamental para la subsistencia y la reproducción de la fuerza de trabajo, habiéndose consolidado en su forma de mercancía. Y cuando en el capitalismo se intercambian mercancías, existen relaciones jurídicas. Sin embargo, el maíz no asumió la forma de una simple mercancía, como otros cultivos agrícolas originarios de nuestra América. En el curso del proceso colonial y de las transformaciones del capitalismo dependiente, se elevó a la categoría de commodity. Tampoco perdió su vínculo con el trabajo vivo campesino, indígena o tradicional de los pueblos agricultores. Se sitúa en una tensión entre alimento, mercancía y commodity, cuyos conflictos y choques se amplifican en la intensificación del capitalismo dependiente brasileño, la transnacionalización y la concentración empresarial en insumos agrícolas, especialmente de las semillas, maquinarias y pesticidas. En este proceso, que combina el cercamiento tecnológico y jurídico sobre las prácticas de los pueblos agricultores, las relaciones jurídicas han adquirido formas específicas en la división internacional del trabajo, que identificamos como relaciones jurídicas dependientes. Así, utilizando los marcos entrelazados de la teoría marxista de la dependencia, de la teoría marxista del derecho y de las teorías e investigaciones críticas en el campo de la agronomía, la geografía y el derecho latinoamericanos, nos proponemos en esta tesis (i) investigar concretamente las relaciones de dependencia y las formas jurídicas a partir de la transformación de semilla/alimento de maíz en mercancía, identificando los cercamientos jurídicos y tecnológicos; (ii) comprender el proceso de expropiación y garantía de producción-circulación de la mercancía maíz a través de las relaciones jurídicas nacionales e internacionales, como dimensión de las relaciones desiguales entre naciones; (iii) posibilitar, junto con otras investigaciones recientes, la actualización del debate de la dependencia en Brasil, a partir de la agricultura, relacionándolo con la crítica jurídica. En esta investigación destacamos las formas jurídicas en el capitalismo dependiente brasileño: a) privatización y expoliación de semillas vía propiedad intelectual y patentes; b) incorporación del paquete tecnológico agrícola tóxicodependiente de semillas transgénicas y agrotóxicas; c) acumulación originaria permanente de capital a través de las prácticas agrícolas y semillas nativas, tradicionales o locales de los pueblos agricultores. Nuestra metodología de investigación se basa en la Asesoría Jurídica Popular como práctica y teoría de acción jurídico-política para disputar y afirmar los derechos humanos, además de desvelar las negaciones y denegaciones de los mecanismos institucionales y las desigualdades de acceso a la justicia. Las categorías centrales de nuestro análisis son la acumulación originaria de capital, la renta de la tierra, la subsunción formal y real del proceso de trabajo de los agricultores y las agricultoras y la transferencia de valor a través del intercambio desigual, todas ellas situadas bajo el prisma de la dependencia y la división internacional del trabajo.
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