Os desafios da comprovação e reconhecimento da síndrome de burnout na justiça trabalhista : uma análise crítica da jurisprudência do TRT9 (2022–2024) à luz do sofrimento psíquico no neoliberalismo

Abstract

Resumo: Esta dissertação parte de uma constatação inquietante, mas cada vez mais visível: o trabalho, que deveria garantir dignidade e realização, tem se tornado, para muitos, uma fonte de sofrimento psíquico profundo. Em meio a metas inalcançáveis, vínculos precários e pressões contínuas por desempenho, a Síndrome de Burnout emerge como expressão desse esgotamento silencioso. Apesar de já constar na CID-11 como um fenômeno ligado ao ambiente de trabalho, o reconhecimento do burnout como doença ocupacional no Brasil ainda esbarra em diversos entraves legais e dificuldades para comprovação nos tribunais. O problema central que orienta esta pesquisa é o descompasso estrutural entre a realidade do sofrimento psíquico dos trabalhadores e a resposta jurídica oferecida pela Justiça do Trabalho, marcada por critérios excessivamente técnicos, reducionistas e, muitas vezes, inatingíveis. A hipótese negativa sustenta que o burnout, tal como hoje formulado e instrumentalizado nos discursos jurídico-periciais, opera menos como denúncia crítica das violências organizacionais e mais como um mecanismo de neutralização simbólica da dor, tornando-se, paradoxalmente, uma "etiqueta palatável" que legitima o adoecimento sem enfrentar suas causas estruturais. Por outro lado, a hipótese positiva considera que a incorporação do burnout na CID-11 pode representar uma abertura simbólica e normativa para novas formas de interpretação e responsabilização jurídica, desde que acompanhada por mudanças paradigmáticas na perícia médica, na formação dos operadores do direito e na leitura crítica do nexo causal. O objetivo geral desta dissertação é analisar criticamente os desafios jurídicos para a comprovação e o reconhecimento da Síndrome de Burnout como doença ocupacional na Justiça do Trabalho. A pesquisa adota o método hipotético-dedutivo, com uma abordagem interdisciplinar e crítica, fundamentada nos aportes da teoria social, do marxismo, da psicanálise e do Direito do Trabalho. Está vinculada ao Grupo de Estudos em Trabalho, Economia e Políticas Públicas (TRAEPP), que se dedica à investigação de temas estruturantes do mundo do trabalho a partir de uma perspectiva crítica e interdisciplinar. A metodologia combinou revisão bibliográfica com análise empírica. Foram examinadas produções acadêmicas nacionais e internacionais obtidas em plataformas como SciELO, LILACS, Academia.edu e repositórios jurídicos, priorizando trabalhos sobre sofrimento psíquico, precarização laboral e neoliberalismo. Também foi realizada análise documental de 185 acórdãos do TRT da 9ª Região (2022–2024), coletados via sistema Falcão com a expressão "síndrome de burnout". Os julgados foram classificados conforme o reconhecimento (ou não) do nexo causal, tipo de prova valorizada e argumentos das decisões. O levantamento evidenciou uma tendência majoritária de não reconhecimento do nexo causal, revelando a insuficiência da reclassificação da CID como instrumento jurídico eficaz e a prevalência de uma cultura de desconfiança e patologização individual do sofrimento. A dissertação propõe caminhos normativos e interpretativos para que o burnout deixe de ser um rótulo vazio e passe a ser enfrentado como o que realmente é: um grito coletivo por dignidade no mundo do trabalho

Abstract: This dissertation begins with a troubling yet increasingly visible observation: work, which should provide dignity and fulfillment, has become, for many, a source of deep psychological suffering. Amid unattainable goals, precarious employment relationships, and constant performance pressures, Burnout Syndrome emerges as an expression of this silent exhaustion. Although it is already listed in the International Classification of Diseases (ICD 11) as a work-related phenomenon, the recognition of burnout as an occupational disease in Brazil still faces significant legal barriers and evidentiary challenges in court. The central issue guiding this research is the structural gap between the reality of workers' psychological suffering and the legal response offered by the Brazilian Labor Courts, which are often shaped by overly technical, reductionist, and, at times, unattainable standards. The negative hypothesis argues that burnout, as it is currently formulated and instrumentalized in legal and forensic discourse, serves less as a critical denunciation of organizational violence and more as a mechanism of symbolic neutralization of pain paradoxically becoming a "palatable label" that legitimizes illness without addressing its structural causes. Conversely, the positive hypothesis suggests that the inclusion of burnout in ICD-11 may offer a symbolic and normative opening for new forms of legal interpretation and accountability, provided it is accompanied by paradigm shifts in medical expertise, legal professionals’ training, and a critical reading of the causal link between work and mental illness. The general objective of this dissertation is to critically analyze the legal challenges involved in proving and recognizing Burnout Syndrome as an occupational disease within Brazil’s Labor Justice system. The research adopts the hypothetical-deductive method, with an interdisciplinary and critical approach grounded in contributions from social theory, Marxism, psychoanalysis, and Labor Law. It is affiliated with the Research Group on Labor, Economy, and Public Policy (TRAEPP), which is dedicated to investigating structural issues in the world of work from a critical and interdisciplinary perspective. The methodology combined a bibliographic review with empirical analysis. Academic works both national and international were examined from platforms such as SciELO, LILACS, Academia.edu, and legal repositories, prioritizing studies on psychological suffering, labor precarization, and neoliberalism. In addition, a documentary analysis was conducted of 185 decisions from the Regional Labor Court of the 9th Region (TRT9), issued between 2022 and 2024. These decisions were retrieved from the Falcão system using the term "burnout syndrome" and were categorized based on whether the causal link was recognized, the type of evidence prioritized, and the central arguments of the rulings. The findings revealed a prevailing trend of non-recognition of the causal link, highlighting the insufficiency of the ICD reclassification as an effective legal tool and the dominance of a culture of mistrust and individual pathologization of suffering. This dissertation proposes normative and interpretative pathways for burnout to cease being an empty label and to be addressed for what it truly is: a collective cry for dignity in the world of work