Desdemocratização e desconstituição brasileiras contemporâneas : processos de ruptura do pacto político social e de reconfiguração institucional sob a perspectiva da dominação e das desigualdades estruturais

Abstract

Resumo: Este estudo tem como objetivo verificar se, a partir de eventos observáveis no Brasil entre 2019 e a atualidade, ocorreram mudanças substanciais e estratégicas de políticas, relações político-sociais e estruturas e dinâmicas institucionais a ponto de configurar retrocessos democráticos e constitucionais. Para isso, toma-se como critério aquilo que, historicamente, se consolidou como produtos da Nova República no âmbito de seu projeto constitucional e democrático, inaugurado após o fim da Ditadura Militar. Adota-se uma abordagem transdisciplinar entre direito constitucional, ciência política, sociologia e teoria do Estado, mobilizando diferentes conceitos sobre democracia, além de teorias sobre dominação e desigualdades estruturais, a fim de compreender como as interações humanas em meios sociais assimétricos são articuladas na direção objetivada por grupos hegemônicos. Mediante pesquisa bibliográfica e estudo explanatório, a partir da combinação de referências empíricas e categorias específicas, realiza-se, após a descrição sintética dos projetos e produtos da Nova República, uma generalização analítica consistente em indicar como determinados atos e movimentos contribuem para a ocorrência de desdemocratização no contexto político brasileiro. A seleção de dados apoia-se em reportagens e matérias do jornalismo profissional que trazem informações sobre atos do Executivo, iniciativas no Legislativo, investigações em curso e condutas de agentes fora das instituições oficiais; na análise de estudos e pesquisas capazes de sistematizar tendências mais amplas; e em manifestações oficiais e proposições legislativas que reorientem o Estado em sentido contrário aos produtos constituídos. Os resultados indicam que a democracia brasileira mantém eleições competitivas e mecanismos institucionais de freios e contrapesos, mas apresenta sinais de erosão paulatina de valores fundamentais, como igualdade e pluralismo político, e de estruturas e funções constituídas, como o arcabouço de órgãos e entidades públicas e as relações entre Poderes. Isso se dá mediante cortes de políticas sociais, retórica radicalizada, ataques contra instituições e reformas institucionais que minam a proteção de direitos sociais, a cidadania e o equilíbrio entre os Poderes. As conclusões apontam para um processo cumulativo de desconstituição, no qual a aparência de normalidade constitucional convive com práticas que retraem a soberania popular e reduzem a capacidade de grupos subalternos influenciarem o debate público e o efetivo direcionamento da sociedade. Tal fenômeno está relacionado com o aprofundamento da dependência estrutural em face do capital e das elites políticas, intensificando desigualdades e inviabilizando avanços rumo a uma democracia que tenha, em seu escopo normativo, a emancipação pela autonomia dos indivíduos e da generalidade dos grupos sociais. Ainda que setores institucionais, forças políticas e movimentos sociais esbocem resistência, o contexto sinaliza retrocessos nas conquistas alcançadas desde a transição da Ditadura Militar para a Nova República, especialmente quanto à solidez do regime democrático e o compromisso com o enfrentamento das formas de dominação

Abstract: This study aims to examine whether, based on observable events in Brazil from 2019 to the present, substantial and strategic changes have occurred in public policies, political-social relations, and institutional structures and dynamics, to the extent of constituting democratic and constitutional setbacks. For this purpose, the analysis is guided by what has historically been consolidated as the products of the "New Republic" within the scope of its constitutional and democratic project, inaugurated after the end of the Military Dictatorship. A transdisciplinary approach is adopted, combining constitutional law, political science, sociology, and state theory, mobilizing different conceptions of democracy and theoretical perspectives on domination and structural inequalities. The study seeks to understand how human interactions in asymmetric social environments are articulated in directions shaped by hegemonic groups. Through bibliographic research and an explanatory study, based on a combination of empirical references and specific conceptual categories, the work presents an analytical generalization that identifies how certain actions and movements contribute to democratic backsliding within the Brazilian political context. Data selection relies on reports and materials from professional journalism that provide information on executive acts, legislative initiatives, ongoing investigations, and actions by actors outside formal institutions; on the analysis of studies and research capable of identifying broader trends; and on official statements and legislative proposals that reorient the State in opposition to previously consolidated constitutional products. The findings indicate that Brazilian democracy maintains competitive elections and institutional mechanisms of checks and balances but shows signs of gradual erosion of fundamental values – such as equality and political pluralism – as well as of constitutional structures and functions, including the institutional framework of public entities and the balance among branches of government. This erosion occurs through social policy cuts, radicalized rhetoric, attacks on institutions, and institutional reforms that undermine social rights protections, citizenship, and institutional equilibrium. The conclusions point to a cumulative process of constitutional erosion, in which the appearance of constitutional normality coexists with practices that retract popular sovereignty and reduce the capacity of subaltern groups to influence public debate and the collective direction of society. This phenomenon is linked to the deepening of structural dependence on capital and political elites, which intensifies inequalities and prevents advances toward a democracy normatively committed to the emancipation of individuals and the broader social body. Although institutional sectors, political forces, and social movements outline forms of resistance, the context points to setbacks in the achievements made since the transition from the Military Dictatorship to the New Republic – particularly regarding the stability of the democratic regime and the commitment to confronting structures of domination