Zonas de sacrifício : a organização do espaço e da vida a partir do caso do Aterro Sanitário Essencis

Abstract

Resumo: Este trabalho pretende discutir o termo "zona de sacrifício" como forma de alcançar a dimensão não imediatamente acessível do sacrifício na ecologia política, com o objetivo de compreender de que forma se dá a organização da vida e do espaço nesses lugares, bem como o papel do Direito para a sua validação e manutenção. O trabalho se desenvolve em torno da análise do caso do Aterro Sanitário Essencis, em Curitiba (PR), classificado como zona de sacrifício a partir de reflexões coletivas através da prática extensionista que acompanhou, na encruzilhada entre a academia, a advocacia popular e os movimentos sociais, a resistência ao processo de despejo das famílias que viviam em situação informal na região. O aterro permanece em funcionamento inobstante as denúncias por diversos atores quanto às irregularidades e injustiças socioambientais relacionadas ao empreendimento, sob a justificativa de um benefício coletivo decorrente dessa atividade. A partir de uma localização inicial do funcionamento do sacrifício para a linguagem, que considera o sintagma em três níveis de significação - como ritual religioso, como dispositivo biopolítico e como zona de sacrifício -, o trabalho discute os ritos e procedimentos jurídicos que conferiram juridicidade à permanência do funcionamento do empreendimento, a despeito do ônus vivido pelas comunidades do entorno. A análise se estrutura a partir dos quatro tempos constituíram e refundaram a zona de sacrifício em torno do aterro Essencis, i) o processo de licenciamento para a instalação do empreendimento nos anos 1990, no qual foi apresentado estudo de impacto ambiental; ii) a ampliação do aterro entre 2010 e 2012; iii) a determinação judicial do despejo das famílias da Ocupação Tiradentes II, no terreno vizinho ao aterro, em julho de 2024; e iv) a proposta de alteração da Resolução Cema 94/2014, encaminhada para votação em setembro de 2024, com objetivo de reduzir a distância mínima entre aterros sanitários e núcleos populacionais para 500 metros. Estes momentos marcam a operação secularizada do mecanismo do sacrifício (instituição, qualificação, separação e destruição), as quais se atualizam em contínuas cisões e implementam um regime de excepcionalidade às normativas estabelecidas, de forma a organizar as vidas em termos de valor pela seleção de vítimas no interior da população, e cuja relação com a excepcionalidade estrutura e fundamenta a existência desses espaços. O trabalho identifica, no Direito, um papel fundacional de práticas políticas sacrificiais, de forma que o sacrifício, em sua forma contemporânea e politizada, segue as regras de diferenciação de descarte de vidas orientado pelo capitalismo

Abstract: This study aims to discuss the term "sacrifice zone" as a means of addressing the non-immediately accessible dimension of sacrifice within political ecology. The goal is to understand how life and space are organized in these areas, as well as the role of law in their validation and perpetuation. The analysis centers on the case of the Essencis Landfill in Curitiba, Paraná, classified as a sacrifice zone based on collective reflections developed through extensionist practices. These practices intersected academia, community-based advocacy, and social movements, accompanying the resistance against the eviction process of families living informally in the region. The landfill remains operational despite allegations from various actors regarding social and environmental injustices and irregularities, justified under the premise of collective benefit stemming from its activities. Starting with an initial examination of the functioning of sacrifice in language - considering the term at three levels of meaning: as a religious ritual, as a biopolitical device, and as a sacrifice zone - this study discusses the legal rituals and procedures that legitimized the continued operation of the landfill despite the burdens faced by surrounding communities. The analysis focuses on four key moments that constituted and reestablished the sacrifice zone around the Essencis Landfill: i) the licensing process for the landfill’s installation in the 1990s, during which an environmental impact assessment was presented; ii) the landfill’s expansion between 2010 and 2012; iii) the judicial eviction of families from the Tiradentes II Occupation, located on land adjacent to the landfill, in July 2024; and iv) the proposed amendment to Resolution Cema 94/2014, submitted for voting in September 2024, aiming to reduce the minimum required distance between landfills and populated areas to 500 meters. These moments illustrate the secularized operation of the sacrifice mechanism (institution, qualification, separation, and destruction), which is continuously updated through recurrent divisions and the imposition of a regime of exception to established norms. This mechanism organizes lives based on their value, selecting victims within the population, and its relationship with exceptionality underpins the existence of such spaces. The study identifies law as foundational to sacrificial political practices, demonstrating how sacrifice, in its contemporary and politicized form, adheres to the rules of differentiation and disposability of lives dictated by capitalism