"Foi como nascer de novo" : vivências de corpos que abortam e as implicações biopolíticas da clandestinidade
Resumo
Resumo: No Brasil, o aborto provocado é uma prática criminalizada, porém, a proibição legal não consegue impedir sua ocorrência, e tampouco diminuir sua frequência. Como resultado, as mulheres buscam a zona de clandestinidade para interromper gestações e, assim, garantir a sua autonomia. A partir disso, a criminalização do aborto pode ser vista como um dispositivo punitivo fundamental, pois, embora a maioria das mulheres que vivenciem abortos clandestinos não sejam criminalizadas, sua restrição atua como uma estratégia biopolítica para manter corpos marginalizados nos espaços designados a eles: para algumas, o lar e a maternidade; para outras, prisões, o silêncio e a morte. Partindo dessa premissa, este estudo pauta-se na hipótese de que o silenciamento das mulheres que experimentaram o aborto clandestino e inseguro é um efeito da biopolitização dos corpos reprodutivos. Essa biopolitização funciona como uma estratégia para manter e perpetuar o biopoder, reduzindo as mulheres à mera vida orgânica e despolitizada. Diante disso, o objetivo da pesquisa foi analisar de que forma a biopolitização do corpo reprodutivo promove a desumanização de mulheres brasileiras que passaram pela experiência do aborto clandestino. A metodologia da pesquisa consistiu em três etapas: primeiro, a pesquisa bibliográfica, focada predominantemente nas teorias de autoras brasileiras e latino-americanas, além dos marcos teóricos de Michel Foucault, Giorgio Agamben e Rita Segato sobre biopolítica; em seguida, a pesquisa entrou em sua fase empírica, consubstanciada a partir da composição de um corpus oriundo da aplicação da técnica da "bola de neve", seguida das entrevistas narrativas com mulheres que passaram pela experiência do aborto clandestino; e por fim, os dados foram analisados a partir da abordagem metodológica da Análise Crítica da Narrativa, uma disciplina que integra diferentes epistemologias para reconhecer as experiências únicas de cada participante e como a realidade do aborto clandestino as afeta. Foram entrevistadas dezesseis mulheres, de distintas idades, classes sociais, raças/etnias, que compartilharam vinte experiências de aborto clandestino. Os dados das entrevistas foram analisados e categorizados utilizando o software Atlas.ti. À luz dos conceitos teóricos discutidos e da pesquisa empírica, as vivências das participantes indicaram a existência de um estado de exceção contínuo no contexto democrático brasileiro, que relega corpos femininos à condição de hystera sacra, ou seja, vidas reduzidas ao seu mero valor ou desvalor reprodutivo, sendo a criminalização e estigmatização do aborto uma das formas pela qual esse mecanismo de controle social opera. Abstract: In Brazil, provoked abortion is a criminalized practice, however, the legal prohibition cannot prevent its occurrence, nor can it reduce its frequency. As a result, the women seek a clandestinity zone to interrupt gestações and, thus, guarantee their autonomy. From this point on, the criminalization of abortion can be seen as a fundamental punitive device, since it affects most women who experience clandestine abortions are not criminalized, its restriction acts as a biopolitical strategy to maintain marginalized bodies in the spaces designated to them: to algumas, or lar e a maternity; for others, prisons, or silence and death. Starting from the premise, this study guides the hypothesis that the silencing of women who experience clandestine and unsafe abortion is the effect of biopoliticization of reproductive bodies. This biopoliticization functions as a strategy to maintain and perpetuate biopower, reducing women to mere organic and depoliticized life. First of all, the objective of the research was to analyze how the biopoliticization of the reproductive body promotes the dehumanization of Brazilian women who undergo the experience of clandestine abortion. The research methodology consisted of three stages: first, a bibliographical research, focused predominantly on the theories of Brazilian and Latin American authors, along with two theoretical frameworks by Michel Foucault, Giorgio Agamben and Rita Segato on biopolitics; Next, the research enters its empirical phase, consubstantiated by the composition of a corpus originating from the application of the "snow ball" technique, followed by narrative interviews with women who have had the experience of clandestine abortion; Finally, the data are analyzed from the methodological approach of Narrative Critical Analysis, a discipline that integrates different epistemologies to reconfirm the unique experiences of each participant and how the reality of clandestine abortion affects. We interviewed six women, of different ities, social classes, races/ethnicities, who shared their experiences of clandestine abortion. Data from interviews is analyzed and categorized using Atlas.ti software. In light of two theoretical concepts discussed and empirical research, the experiences of the participants indicate the existence of a continuous state of exception in the Brazilian democratic context, which relegates female bodies to the condition of sacred hysteria, or seja, lives reduced to their mere value or disvalue reproductive, sending the criminalization and stigmatization of abortion in two ways in which this mechanism of social control operates.
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