A possível inconstitucionalidade no oferecimento de serviços públicos exclusivamente por plataformas digitais : uma análise à luz do princípio da igualdade
Resumo
Resumo: A era da tecnologia causou uma verdadeira revolução nas formas que os seres humanos se relacionam. Seja na comunicação ou nas relações de consumo, a velocidade com que as informações se propagam virtualmente criou uma necessidade de digitalização de grande parte das atividades humanas. Diante desse cenário, a Administração Pública certamente não pôde ignorar essa mudança e, em 2021, editou a Lei 14.129/2021, que institui o Governo Digital, bem como estabelece sob quais princípios e diretrizes está calcado, com o objetivo de trazer inovação e maior eficiência ao setor público, por meio da desburocratização, modernização, transformação digital e participação do cidadão. Dentre as atividades que rege, a Lei do Governo Digital dispõe sobre como deve se dar a prestação dos serviços públicos por meio de plataformas digitais. Apesar dessa atualização e adaptação da máquina pública à nova realidade serem extremamente necessárias, existem várias dificuldades para sua implementação, principalmente no que tange à acessibilidade aos serviços públicos oferecidos através de tecnologias digitais pela parcela socioeconomicamente vulnerável da população brasileira. Embora a Lei do Governo Digital preveja a inclusão social e a universalidade de acesso aos serviços públicos ofertados digitalmente, não traz a política pública por meio da qual os equipamentos tecnológicos necessários para acessar tais serviços sejam disponibilizados para aqueles que não possuem condições financeiras de arcar com seus custos. Dessa forma, a partir da adoção da noção de serviço público adequado enquanto instrumento para a satisfação das necessidades coletivas, para o efetivo exercício dos direitos fundamentais e para a concretização da dignidade da pessoa humana, propõem-se a discussão sobre o reconhecimento de uma possível inconstitucionalidade do oferecimento de serviços públicos exclusivamente por plataformas digitais com base no princípio da igualdade, desdobrado no princípio da universalidade do acesso às prestações públicas, e na fundamentalidade do serviço público adequado previsto constitucionalmente no artigo 175, inciso IV, da Magna Carta, e disciplinado nas Leis 8.987/1995 e 13.460/2017. A partir da discussão proposta, pretende-se evidenciar que, na realidade profundamente desigual existente no Brasil, não se pode prestar serviços públicos exclusivamente por plataformas digitais sob pena de significativa parcela da população não ter acesso a tais prestações que em várias situações fáticas são a única forma existente de cidadãos em situação de vulnerabilidade socioeconômica conseguirem atingir as mínimas condições para uma vida digna. Ante ao cenário que se visa demonstrar, fica clara a necessidade de mudança de perspectiva da Administração Pública para garantir a eficiência do modelo do Governo Digital proposto, para que se atinja uma verdadeira democracia digital e não uma mera transposição dos já antigos problemas da burocracia estatal para o âmbito digital Abstract: The age of technology has caused a true revolution in the ways in which human beings relate to each other. Whether in communication or consumer relations, the speed at which information spreads virtually has created a need to digitize a large part of human activities. Given this scenario, the Public Administration certainly could not ignore this change and, in 2021, it published Law 14,129/2021, which establishes the Digital Government, as well as establishes which principles and guidelines it is based on, with the aim of bringing innovation and greater efficiency to the public sector, through modernization, digital transformation, citizen participation and reduction of bureaucracy. Among the activities it governs, the Digital Government Law lays the foundations of for how public services should be provided through digital platforms. Although this update and adaptation of the public machine to the new reality is extremely necessary, there are several difficulties in its implementation, mainly regarding to accessibility to public services offered through digital technologies by the socioeconomically vulnerable portion of the Brazilian population. Although the Digital Government Law establishes social inclusion and universal access to public services offered digitally, it does not create a public policy through which the technological equipment necessary to access such services is made available to those who do not have the financial means to afford its costs. For this reason, based on the adoption of the notion of adequate public service as an instrument for satisfying collective needs, for the effective exercise of fundamental rights and for the achievement of the dignity of the human person, a discussion is proposed on the recognition of a possible unconstitutionality of offering public services exclusively through digital platforms based on the principle of equality, unfolded in the principle of universal access to public services, and the fundamentality of adequate public service constitutionally founded in article 175, item IV, of the Constitution, and disciplined in Laws 8,987/1995 and 13,460/2017. From the proposed discussion, it is intended to highlight that, in the deeply unequal reality that exists in Brazil, public services cannot be provided exclusively through digital platforms, under penalty of a significant portion of the population not having access to such services, which in several factual situations are the only existing way for citizens in situations of socioeconomic vulnerability to achieve the minimum conditions for a dignified life. Given the scenario that we aim to demonstrate, the need to change the perspective of the Public Administration towards the efficiency of the proposed Digital Government model is clear, so that a true digital democracy can be achieved and not a mere transposition of the already old problems of state bureaucracy to the digital sphere
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- Ciências Jurídicas [3393]