Processos de subjetivação em contexto de apropriação do letramento acadêmico : uma análise a partir das vozes de alunos e professores

Abstract

Resumo: Embora a leitura e a escrita sejam práticas recorrentes na formação universitária, a maioria dos estudantes apresenta dificuldades em produzir textos de acordo com os gêneros acadêmicos, o que se constitui uma das principais demandas aos Departamentos de Letras das nossas Universidades. Prevalece, por um lado, o foco na produção de resultados como trabalhos e tarefas com múltiplas exigências de leituras de diferentes tipos de textos que o estudante ainda não domina; por outro lado, negligenciam-se as suas questões psicológicas, isto é, o modo como o aluno é afetado pelos desafios acadêmicos tem pouca visibilidade. Dessa forma, lança-se como principal questionamento da investigação: se a aprendizagem dos gêneros acadêmicos é um grande desafio para os estudantes e a aquisição do conhecimento é um processo sócio-histórico que está além dos aspectos linguísticos, cognitivos e de uma concepção homogeneizante de educação, quais os sentidos das práticas de letramento acadêmico nas subjetividades dos universitários? O que nos leva a analisar, como objetivo, os efeitos subjetivos das práticas de letramento acadêmico e suas possíveis relações com o sucesso na formação universitária. O estudo foi realizado junto ao Departamento de Letras de uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) brasileira, o qual atende às demandas de diferentes cursos com relação às necessidades de formação para leitura, escrita e produção textual nos gêneros acadêmicos dos universitários. A abordagem epistemológica deste estudo baseou-se na concepção histórico-cultural da linguagem e da subjetividade humana, segundo estudos de pesquisadores contemporâneos de Lev Vigotski e Mikhail Bakhtin, tendo como metodologia de pesquisa uma abordagem qualitativa do tipo pesquisa intervenção, a qual foi desenvolvida junto a professores e estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A pesquisa intervenção consistiu na realização de observação, entrevistas, rodas de conversa e oficinas de produção de textos. Para a realização das oficinas, partiu-se de uma problematização sobre os processos de criatividade autoral, considerando as dimensões vivenciais e emocionais como fontes potencializadoras nesse processo. Os dados da pesquisa foram analisados por meio da análise dialógica do discurso. Evidenciou-se que as práticas de ensino dos professores são baseadas no modelo de socialização de letramento e que as apreciações dos estudantes no campo da linguagem escrita são distintas, mas o discurso mais evidente em suas vozes é o de que o letramento do Ensino Médio é diferente do letramento no Ensino Superior, por isso a dificuldade na aprendizagem é inevitável. Essa diferença revela-se em modalidades distintas: concepção de prática de ensino da linguagem escrita, aspectos sociais e econômicos. Ocorre que, na perspectiva da prática de ensino, professores e alunos relatam que a maioria das escolas do Ensino Médio não prepara o estudante para ser um pesquisador e que, por isso, os gêneros acadêmicos não são contemplados nas práticas de ensino. A dificuldade na aprendizagem do letramento acadêmico é sentida e apreciada de forma diferenciada pelos estudantes que participaram da pesquisa. Alguns alunos enfrentam as dificuldades assumindo uma postura positiva, porque interpretam os desafios como uma forma de incentivo para a dedicação e o aprimoramento da aprendizagem. Porém, embora assumissem essa postura, o sentimento de frustração diante das dificuldades é o mesmo para todos os participantes da pesquisa. Isso evidencia o quanto as subjetividades dos estudantes são afetadas pelos processos de aprendizagem do letramento acadêmico, ainda que seja minimamente. Para outros alunos, essa aprendizagem é um processo complexo, porque em muitos casos a dificuldade na aprendizagem gera um sentimento de incapacidade, depreciação da própria imagem e baixa autoestima. Esse sentimento de fracasso impacta a subjetividade dos estudantes, uma vez que o equilíbrio psicológico é comprometido pelos sentimentos negativos. A metodologia desenvolvida neste trabalho trouxe vários sentidos aos estudantes, pois, ao mesmo tempo que se viram surpreendidos por uma nova abordagem sobre o processo criativo, se sentiram prestigiados por assumirem a posição central nesse processo, tendo em vista que suas histórias e emoções foram recuperadas como fontes potencializadoras da criatividade. Recomendamos que, além de considerar as dimensões dos conhecimentos das técnicas de aprimoramento das competências da leitura e da escrita, bem como das capacidades cognitivas, as práticas de ensino do letramento acadêmico também considerem o processo da criatividade autoral na perspectiva histórico-cultural, isto é, considerem os aspectos experienciais e emocionais como meios potencializadores da capacidade criativa dos universitários, dado que o ato criativo se processa a partir de um mundo experienciado, vivido e sentido. Por isso, sugere-se que as rodas de conversa e a realização de oficinas de escrita possam fazer parte das práticas de ensino do letramento acadêmico, para promover a formação autoral dos alunos. Além disso, é importante considerar que as práticas institucionalizadas são responsáveis pelos processos de subjetivação dos estudantes e que, por essa razão, também precisam ser avaliadas no sentido de desenvolver novas alternativas para solucionar os problemas de aprendizagem. Para tanto, é preciso elaborar estratégias de práticas de ensino que possam contemplar todos os estudantes, partindo de uma perspectiva heterogênea para a abordagem de novas metodologias que contemplem aspectos políticos, pedagógicos, sociais, culturais, afetivos e intelectuais, a fim de promover a formação plena do universitário.

Abstract: Even though reading and writing are common practices at university setting, many students have difficulties in developing academic genres, which represents one of the main demands of the Departments of Letters at Universities. In addition, there is a focus on creating results such as assignments and tasks with multiple reading requirements of different kinds of texts that the student has not yet mastered; on the other hand, students' psychological issues are neglected. In other words, the way in which the student is affected by academic challenges has little visibility. Thus, we highlight as the main question of the study: if the learning of academic text is a great challenge for students, and the acquisition of knowledge is a socio-historical process that goes beyond linguistic, cognitive aspects and a homogenizing conception of education, what are the meanings of academic literacy practices in the subjectivities of university students? Which leads us to analyze, as an objective, the subjective effects of academic literacy practices and their possible relationships with success at university setting. The study was carried out at the Department of Letters of a Brazilian Federal Institution of Higher Education (IFES), which meets the demands of different courses in relation to the training needs for reading, writing and textual production in the academic genres of university students. The epistemological approach of this study was based on the historical-cultural conception of language and human subjectivity, according to studies by contemporary researchers such as Lev Vygotsky and Mikhail Bakhtin, having as research methodology a qualitative approach of the intervention research type, which was developed together to professors and students at the Federal University of Rio Grande do Norte. The intervention research consisted of observation, interviews, conversation circles and text production workshops. In order to carry out the workshops, we started with a question about the processes of authorial creativity, considering the experiential and emotional dimensions as potential sources in this process. Research data were analyzed using dialogic discourse analysis. We stated that the teaching practices of professors are based on the model of socialization of literacy and that the comprehension of students in the field of written language are different, however, the most evident speech in their voices is that high school literacy is different from literacy in the Higher Education and, therefore, the difficulty in learning is expected. This difference is revealed in many modalities: conception of written language, teaching practice, social and economic aspects. In addition, from the perspective of teaching practice, professors and students report that most high schools do not prepare the student to be a researcher and, as a result, academic genres are not contemplated in teaching practices. The difficulty in learning academic literacy is felt and appreciated differently by the students who participated in the research. Some students face difficulties assuming a positive attitude because they interpret the challenges as a form of encouragement for dedication and improvement of learning. However, the feeling of frustration in face of difficulties is the same for all research participants. This shows how much the subjectivities of students are affected by the learning processes of academic literacy. For other students, this learning is a complex process, because in many cases the difficulty in learning creates a feeling of incapacity and depreciation of their own image and low self-esteem. This feeling of failure influences the subjectivity of students since the psychological balance is compromised by negative feelings. The methodology developed in this study took several meanings to the students, because while they were surprised by a new approach to the creative process, they felt prestigious for assuming the central position in this process, considering that their stories and emotions were recovered as potentiating source of creativity. It is recommended that in addition to considering the dimensions of knowledge of techniques for improving reading and writing skills, as well as cognitive abilities, academic literacy teaching practices also consider the process of authorial creativity in the historical-cultural perspective, considering the experiential and emotional aspects as means of enhancing the creative capacity of university students, given that the creative act is processed from an experienced, lived and felt world. Thus, we recommend that conversation circles and writing workshops can be part of academic literacy teaching practices to promote students' authorial education. Furthermore, it is important to consider that institutionalized practices are responsible for the processes of subjectivation of students and, therefore, they also need to be evaluated to develop new alternatives to solve learning problems. Therefore, it is necessary to develop strategies of teaching practices that can include all students, starting from a heterogeneous perspective to approach new methodologies that include political, pedagogical, social, cultural, affective, and intellectual aspects, to promote the whole development of university students.