Variação morfossintática por contato de línguas : o caso do "Castelhano de Portugal"
Resumo
Resumo: O Tratado de Alcáçovas, de 1479, pode ser considerado como marco inicial da influência espanhola sobre a língua e a cultura de Portugal. O Tratado visava pacificar relações entre os lusitanos e os reinos de Castilha e Aragão e negociar questões de dinastia por meio de convênios e matrimônios. Entre 1498 e 1578, quatro rainhas espanholas presidiram a corte portuguesa, todas mantendo os costumes espanhóis e o castelhano como idioma de comunicação na corte. Entre 1580 e 1640, após crise dinástica lusitana, Portugal e Espanha viveram o período conhecido como União Ibérica, em que ambos os países foram governados pelos mesmos reis, os "Filipes", de dinastia espanhola. A monarquia dual trouxe significativas consequências para a língua e a cultura portuguesas, já que os padrões castelhanos passaram a ser considerados como os de prestígio social. Neste cenário, vários escritores portugueses sentiram a necessidade de publicar obras em língua castelhana, para que seus textos pudessem gozar de algum valor social e alcançar um maior número de leitores. Por não terem alta proficiência no espanhol, estes autores acabaram utilizando um castelhano carregado de lusismos, empregando, em seus textos em espanhol, estruturas típicas do português. O uso dessa interlíngua "defeituosa" é citado em vários autores, como em Teyssier (2005); contudo, sem descrição exata de quais fatores linguísticos são os reais caracterizadores do fenômeno. Deste modo, buscamos em nossa pesquisa descrever alguns dos fenômenos linguísticos que caracterizam a referida interlíngua, demarcando fronteiras entre o português e o espanhol da época. Fundamentamos o estudo essencialmente na Teoria Sociolinguística de Labov ([1972] 2008) e na Teoria Geral da Mudança Linguística, de Weinreich, Labov e Herzog ([1968] 2006). A coleta de dados se deu a partir de textos em língua castelhana do século XVI e XVII, escritos por autores "bilíngues" de nacionalidade portuguesa. No total, foram coletados 15498 dados (sintagmas e orações), distribuídos entre as três variáveis linguísticas pesquisadas: (i) posição dos clíticos; (ii) uso do infinitivo flexionado; e (iii) uso do a pessoal. Os dados foram submetidos à análise estatística para atribuição de percentuais e, quando possível, rodados no programa GoldVarb2001, para atribuição de pesos relativos e consequente análise variacionista. Os resultados mostraram que o uso da preposição a diante de complementos diretos de traço [+humano], categórico em espanhol, é o fenômeno com maior índice de variação. Em segundo lugar, se destacou o posicionamento em ênclise dos clíticos ligados a verbos simples antecedidos de preposição, característica típica do português da época que foi aplicada também nas construções em espanhol. Como resultados secundários, podemos citar o uso do infinitivo flexionado e a presença de "mesóclise" nos textos em espanhol, fenômenos existentes apenas no português da época. Com relação aos autores, Gil Vicente foi o autor com maior índice de variação, de certa forma explicável pela natureza de seus textos. Os resultados para os demais autores não foram representativos. De modo geral, podemos afirmar que o castelhano de Portugal está diretamente ligado aos fatores linguísticos contrastantes entre as línguas e não à falta de proficiência dos autores. Palavras-chave: Castelhano de Portugal. União Ibérica. Contato linguístico. Variação Morfossintática. Sociolinguística Variacionista. Abstract: The Treaty of Alcáçovas, 1479, can be considered as the initial mark of the Spanish influence on the Portugal culture and language. The Treaty consisted of pacifying the relations between the Lusitanian and the kingdoms of Castilha and Aragão and negotiate dynasty issues trough conventions and matrimony. Between 1498 and 1578, when Spanish queens were part of the court of Portugal, all of them maintained the Spanish habits and the Spanish as the main communication language in the court. Between 1580 and 1640, after the Lusitanian dynastic crises, Portugal and Spain lived the period known as Iberian Union, whereas both countries were governed by the same kings, the "Filipes", which were from Spanish dynasty. The dual monarchy brought significant consequences to the Portugal culture and language, as the Spanish rules started being considered as the social prestige. In this scenario, many Portuguese writers felt the necessity to publish their work in Spanish, so the texts could present some social value and reach a higher number of readers. Because these writers were not fluent in Spanish, they ended up using the language filled with "lusismos", applying, in their Spanish texts, typical structures in Portuguese. The usage of this "defected" language is cited by many writers, as in Teyssier (2005); however, without exact descriptions of which linguistic factors are the real contributors of this phenomenon. This way, we aimed in our research to describe some of the linguistic phenomenon that characterized the referred language, demarking the relation between the Portuguese and Spanish language of the time. We based the study essentially in the Sociolinguistic Theory from Labov ([1972] 2008) and the General Theory of Linguistic Change, from Weinreich, Labov and Herzog ([1968] 2006). The data used in the research was based on the Spanish texts from the centuries XVI and XVII, written by "bilingual" authors. It was collected a total of 15498 data information (sentence phrases), distributed among the three linguistic variables: (i) position of the clitics; (ii) the usage of flexional infinitive; and (iii) the usage of personal a. The data was submitted to the analyses of the statistics for the attribution of percentage and, when possible, it will be applied in the program GoldVarb2001, for the attribution of power related to the variationist consequence analysis. The results showed that the usage of the preposition a according to direct complements of [+human] trace, categorized in Spanish, is the phenomenon with the highest rating variation. Secondly, the position of the "encloses" of the clitics connected to the simple verbs positioned before the prepositions, typical characteristic of the Portuguese of the time that was applied also in the constructions in Spanish. As secondary results, we can present the use of flexional infinitive and the presence of "mesóclises" in the Spanish texts, existing phenomenon only in the Portuguese of that time. Regarding the authors, Gil Vicente was the author with the highest rating of variation, in a certain way explicable because of the nature of his texts. The results from the other authors were not meaningful to this research. In conclusion, we can affirm that the Spanish in Portugal is directly connected to the linguistic factors contrasted between the languages and not the lack of proficiency from the authors. Keywords: Spanish of Portugal. Iberian Union. Language Contact. Morphosyntatic Variation. Variationist Sociolinguistics.
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