Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais : por uma implementação espontânea, integral e igualitária
Resumo
Resumo: A presente investigação parte do seguinte problema: após o advento da Constituição de 1988, a baixa efetividade dos direitos fundamentais sociais no Brasil suscitou, como reação da doutrina e da jurisprudência, uma centralização excessiva do debate em torno do Poder Judiciário como solução para a realização de tais direitos, notadamente pela via de ações judiciais individuais. Contudo, a atuação jurisdicional, embora muitas vezes seja de fato a única alternativa, tende a privilegiar de forma desigual parcela dos cidadãos, sobretudo aqueles que ostentam maiores níveis de informação e renda para lograr acesso ao Poder Judiciário. Violenta-se, com isso, a integridade constitucional do princípio da igualdade, subvertendo a principal razão que justifica a proteção dos direitos sociais pelas Constituições: a redução das desigualdades sociais. São lançadas, então, duas hipóteses. A primeira é a de que muitos dos problemas surgidos no campo das atividades administrativas necessárias à implementação espontânea, integral e igualitária dos direitos fundamentais sociais poderiam ser amenizados com a revisão ou relativização de alguns dogmas criados pela ciência do Direito Administrativo clássico, desenvolvido e consolidado no século XIX, que não mais coadunam com o panorama constitucional do Estado Social e Democrático contemporâneo. A segunda hipótese é a de que, de um lado, a dogmática do Direito Administrativo ainda não incorporou adequadamente três categorias centrais da dogmática contemporânea dos direitos fundamentais, que se afiguram tendentes a relativizar alguns axiomas dessa disciplina jurídica: (i) a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais; (ii) a dupla dimensão - subjetiva e objetiva - desses direitos; (iii) a multifuncionalidade dos direitos fundamentais; de outro lado, a dogmática do Direito Constitucional não explora suficientemente os institutos do Direito Administrativo como mecanismos de implementação dos direitos fundamentais sociais, focando-se sobretudo nas ferramentas jurisdicionais disciplinadas pelo Direito Processual Civil. A proposta apresentada para enfrentar tal problemática a partir dessas duas hipóteses consiste no reconhecimento, no ordenamento jurídico brasileiro, do direito fundamental à tutela administrativa efetiva, consagrado na Carta Iberoamericana dos Direitos e Deveres do Cidadão em Relação com a Administração Pública aprovada em 10 de outubro de 2013 pelo Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo. Defende-se que tal direito pode ser deduzido de uma interpretação sistemática da ordem constitucional pátria (art. 5º, §§1º e 2º e art. 37, caput) e deve ser compreendido como o direito do cidadão: (1) de receber da Administração Pública, em prazo razoável, uma tutela efetiva - espontânea, integral e igualitária - dos seus direitos; (2) que autoriza a adoção de todas as técnicas e procedimentos administrativos adequados para tanto, mesmo que para atender integralmente às determinações do bloco de constitucionalidade seja necessário, excepcionalmente, agir na falta de lei (praeter legem) ou contrariamente à lei (contra legem); (3) e que proíbe o Estado de atuar, administrativa ou judicialmente, em prol de seus interesses secundários, quando estes forem descoincidentes com os direitos fundamentais. A partir desses elementos, a tese defendida é a de que a Constituição Federal do 1988 confere ao cidadão o direito fundamental à tutela administrativa efetiva, o qual: (i) impõe à Administração Pública o dever prioritário de criar condições materiais e jurídicas para satisfazer os direitos fundamentais sociais em sua integralidade, para além do mínimo existencial, ainda que para tanto seja necessária sua atuação praeter legem ou contra legem para não incorrer em omissões inconstitucionais que obstem o desenvolvimento social; e (ii) obriga-a a atender de forma igualitária todos os titulares de idênticas posições subjetivas jusfundamentais, adotando de ofício medidas aptas a universalizar prestações concedidas individualmente por requerimentos administrativos ou condenações judiciais, sob pena de responsabilização estatal objetiva individual ou coletiva, a depender da natureza da pretensão jurídica em questão. Abstract: The present investigation focuses on the following problem: after the advent of Brazilian Constitution of 1988, the low effectiveness of fundamental social rights in Brazil generated, as a reaction of the doctrine and jurisprudence, an excessive centralization of the debate on the Judiciary as a solution for the achievement of such rights, notably through individual lawsuits. However, the court action, although it is often indeed the only alternative, tends to privilege an unequally portion of the citizens, especially those who have higher levels of income and information to get access to the Judiciary. This situation violates the constitutional integrity of the principle of equality, subverting the main justification for the protection of social rights in the Constitutions: the reduction of social inequalities. Two hypotheses are then released. The first one is that many of the problems arising in the field of administrative activities necessary for the spontaneous, full and equal implementation of fundamental social rights could be reduced with a review or relativization of some dogmas created by the science of classic Administrative Law, developed and consolidated in nineteenth century, which are no longer suitable to the constitutional background of the contemporary Social and Democratic State. The second hypothesis is that, on one hand, the doctrine of Administrative Law has not adequately incorporated three core categories of the contemporary theory of fundamental rights, which seem to be able of relativize some axioms of this legal discipline: (i) the immediate applicability of the norms that define fundamental rights; (ii) the double dimension - subjective and objective - of these rights; (iii) the multifunctionality of fundamental rights; on the other hand, the doctrine of the Constitutional Law explores insufficiently the institutes of Administrative Law as mechanisms for the implementation of fundamental social rights, focusing mainly on jurisdictional tools regulated by Civil Procedure. The proposal presented to face such issues based on these two hypotheses is the recognition, in Brazilian Law, of the fundamental right to an effective administrative protection, enunciated in the Iberoamerican Charter of Rights and Duties of Citizens in Relation to the Public Administration approved on October 10, 2013 by the Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo. This work defends that such right can be derived from a systematic interpretation of the Brazilian constitutional order (article 5º, §§ 1º and 2º and article 37, caput) and must be understood as the right of the citizens: (1) to receive from the Public Administration, within a reasonable time, effective protection - spontaneous, full and equal - of their rights; (2) which authorizes the adoption of all techniques and administrative procedures adequated to achieve this objective, even if to fully comply with the determinations of the constitutionality block it turns out necessary, in exceptional circumstances, to act in the absence of law (praeter legem) or against the law (contra legem); (3) and that prohibits the State from acting, administratively or judicially, in the seek of its side interests when they are opposed to fundamental rights. From these elements, the thesis defended is that the Federal Constitution of 1988 confers to the citizen the fundamental right to an effective administrative protection, which: (i) imposes to the Public Administration the primary duty to create material and legal conditions to satisfy fundamental social rights in its entirety, surpassing the existential minimum, even if to do so it is necessary to act praeter legem or contra legem in order to do not incur unconstitutional omissions that obstacle social development; and (ii) compels it to serve equally all holders of identical jusfundamental subjective positions, spontaneously adopting administrative measures capable of universalizing benefits provided individually by administrative requests or judicial orders, under penalty of objective State liability, individual or collective, depending on the nature of the juridical position in question.
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