Transplante da microbiota fecal em pacientes com transtorno do espectro autista : uma overview de revisões sistemáticas

Abstract

Resumo: O transtorno do espectro autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits na comunicação e interação social, e por padrões de comportamentos repetitivos e restritos. Além desses sintomas centrais, diversas condições médicas associadas, como problemas gastrointestinais, impactam significativamente a qualidade de vida das pessoas com TEA. Esses problemas podem ser até quatro vezes mais comuns em crianças com TEA do que em crianças neurotípicas, podendo estar relacionados a um desequilíbrio na composição das bactérias intestinais. Nesse contexto, o transplante de microbiota fecal (TMF) surge como uma alternativa terapêutica. O TMF consiste na transferência de microbiota intestinal de doadores saudáveis para receptores, com o objetivo de restaurar o equilíbrio microbiano intestinal e promover maior diversidade bacteriana. Apesar do crescente interesse pelo TMF no tratamento do TEA, os resultados são dispersos, dificultando seu uso clínico. Assim, torna-se essencial reunir e avaliar sistematicamente as evidências existentes. O objetivo deste estudo foi sintetizar as evidências disponíveis sobre a eficácia, efetividade e segurança do TMF em indivíduos com TEA. Para isso, foi realizada uma revisão sistemática de revisões sistemáticas, com ou sem meta-análise, seguindo as diretrizes da Colaboração Cochrane. As buscas eletrônicas foram conduzidas no PubMed, Web of Science e Scopus, e incluíram revisões sistemáticas que investigaram a eficácia, a efetividade e/ou a segurança do TMF em pacientes com TEA. A partir dos registros incluídos foram extraídos dados sobre: características das revisões sistemáticas, características da população estudada, informações sobre as intervenções realizadas e os desfechos de interesse. A qualidade metodológica das revisões foi avaliada por meio da ferramenta AMSTAR-2, e a sobreposição dos estudos primários foi calculada pela fórmula da área coberta corrigida (CCA). A busca identificou 68 estudos, dos quais 10 atenderam a todos os critérios de inclusão. Os artigos incluídos foram publicados entre os anos de 2020 e 2024, com número de participantes variando de 18 a 150. Duas revisões incluídas realizaram metaanálises. Os resultados relativos à segurança apontaram que os eventos adversos relacionados ao TMF, como febre, náusea e reação alérgica foram temporários e bem tolerados. Em relação à eficácia e efetividade foi reportado melhorias significativas tanto nos sintomas gastrointestinais quanto nos comportamentais relacionados ao TEA, além do aumento na diversidade da microbiota intestinal. Apesar dos resultados positivos, a análise da qualidade metodológica revelou que oito revisões incluídas possuem qualidade criticamente baixa, uma baixa e uma de qualidade moderada. A sobreposição dos estudos primários foi de 22%, e os estudos primários apresentaram grande heterogeneidade nos protocolos de TMF utilizados. Esses achados indicam que o TMF representa uma estratégia terapêutica recente e potencialmente eficaz para o manejo de sintomas em indivíduos com TEA, promovendo benefícios tanto na redução de sintomas gastrointestinais e comportamentais, quanto no equilíbrio da microbiota. No entanto, devido às limitações metodológicas das revisões incluídas, bem como à alta sobreposição dos estudos primários, são necessários mais estudos clínicos robustos para confirmar a efetividade e segurança do TMF em pacientes com TEA

Abstract: Autism spectrum disorder (ASD) is a neurodevelopmental disorder characterized by deficits in communication and social interaction, and by patterns of repetitive and restricted behaviors. In addition to these core symptoms, several associated medical conditions, such as gastrointestinal problems, significantly impact the quality of life of individuals with ASD. These problems may be up to four times more common in children with ASD than in neurotypical children and may be related to an imbalance in the composition of gut bacteria. In this context, fecal microbiota transplantation (FMT) emerges as a therapeutic alternative. FMT consists of the transfer of intestinal microbiota from healthy donors to recipients, with the aim of restoring microbial balance and promoting greater bacterial diversity. Despite the growing interest in FMT for the treatment of ASD, the results are scattered, hindering its clinical application. Therefore, it becomes essential to gather and systematically evaluate the existing evidence. The objective of this study was to synthesize the available evidence on the efficacy, effectiveness, and safety of FMT in individuals with ASD. For this purpose, a systematic review of systematic reviews, with or without metaanalysis, was conducted, following the guidelines of the Cochrane Collaboration. Electronic searches were conducted in PubMed, Web of Science, and Scopus, and included systematic reviews that investigated the efficacy, effectiveness, and/or safety of FMT in patients with ASD. From the included records, data were extracted on: characteristics of the systematic reviews, characteristics of the studied population, information on the interventions performed, and the outcomes of interest. The methodological quality of the reviews was assessed using the AMSTAR-2 tool, and the overlap of primary studies was calculated using the corrected covered area (CCA) formula. The search identified 68 studies, of which 10 met all inclusion criteria. The included articles were published between 2020 and 2024, with the number of participants ranging from 18 to 150. Two of the included reviews performed metaanalyses. The results related to safety indicated that adverse events associated with FMT, such as fever, nausea, and allergic reactions, were temporary and well tolerated. Regarding efficacy and effectiveness, significant improvements were reported in both gastrointestinal and behavioral symptoms related to ASD, as well as an increase in intestinal microbiota diversity. Despite the positive results, the analysis of methodological quality revealed that eight of the included reviews had critically low quality, one had low quality, and one had moderate quality. The overlap of primary studies reached 22%, and the primary studies showed great heterogeneity in the FMT protocols used. These findings indicate that FMT represents a recent and potentially effective therapeutic strategy for managing symptoms in individuals with ASD, promoting benefits both in the reduction of gastrointestinal and behavioral symptoms and in restoring microbiota balance. However, due to the methodological limitations of the included reviews, as well as the high overlap of primary studies, more robust clinical studies are needed to confirm the effectiveness and safety of FMT in patients with ASD