Todos, a seu modo, pela democracia : bloqueio de agenda, disputas narrativas e inação na regulamentação da mídia brasileira entre 2003 e 2023

Abstract

Resumo: A proposta de regulamentação da mídia brasileira tem se revelado um tema polêmico cuja presença no debate público oscila e se manifesta em narrativas polarizadas, que mobilizam valores democráticos e interpretações distintas para se sustentar: de um lado, a defesa do direito à comunicação como um direito humano, e a pluralidade de ideias como princípio orientador; do outro, a bandeira do exercício da liberdade de expressão sem ressalvas. Apesar de ocupar a fala de atores políticos notórios, o tema apresenta dificuldade para ingressar na agenda governamental no sentido mais formal e avançar no ciclo de políticas públicas. As relações estabelecidas entre a imprensa e o regime democrático estão no centro do debate. As empresas jornalísticas, enquanto parte interessada na agenda, assumem posições e interferem de forma particular na deliberação pública. Esta tese, de cunho qualitativo e de abordagem histórica, investiga os mecanismos de bloqueio que impedem que esse assunto seja objeto da elaboração de políticas públicas brasileiras. A partir do Narrative Policy Framework (NPF), a metodologia inclui a análise dos editoriais de três dos maiores jornais impressos brasileiros (Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e CartaCapital) entre 2003 e 2023 - período que abrange duas tentativas frustradas: uma minuta elaborada pelo governo federal e um projeto de iniciativa popular. Com auxílio do software de análise textual Iramuteq, examina-se o teor de 92 editoriais jornalísticos para compreender a atuação política da imprensa brasileira acerca de sua própria regulamentação, entendendo suas relações com o campo político e potenciais inibidores da agenda. A metodologia é enriquecida com uma série de seis entrevistas semi-estruturadas com atores da política institucional partidária, movimentos sociais e entidades de classe. Os resultados indicam que a revista CartaCapital se filia à narrativa que interpreta a regulação como processo democratizante, enquanto Folha de S. Paulo e, especialmente, O Estado de S. Paulo se associam à narrativa anticensura, interpretando a proposta como ação autoritária e vilanizando lideranças de esquerda. A conclusão é de que a narrativa das empresas jornalísticas, enquanto bloco, e seu controle sobre a esfera de discussões públicas operam como mecanismo de bloqueio: o poder congregado pelo campo midiático e as dinâmicas de governabilidade típicas do poder legislativo intimidam os tomadores de decisão, que recuam da intenção de estabelecer dispositivos regulatórios. A despeito das particularidades no posicionamento dos veículos estudados, os três defendem e repudiam, em essência, os mesmos projetos: admitem regulação econômica e combatem interferências no conteúdo, demonstrando que o tom assumido na opinião editorial diz mais respeito às relações de simpatia ou adversariedade em relação ao governo e aos partidos do que apoio ou repúdio concreto à regulamentação da mídia

Abstract: The proposal for Brazilian media regulation has proven to be a controversial topic, with its presence in public debate fluctuating and manifesting itself in polarized narratives that mobilize democratic values and different interpretations to sustain themselves. On one hand, there is the defense of the right to communication as a human right and the plurality of ideas as a guiding principle. On the other hand, the banner of the exercise of freedom of speech without reservations is upheld. Despite being a prominent discourse among well-known political actors, the topic faces difficulties in formally entering the government agenda and advancing within the public policy cycle. The relationships established between the press and the democratic regime are at the center of this debate. Journalistic companies, as stakeholders in this agenda, take positions and influence public deliberation in distinct ways. This thesis, which is qualitative in nature and takes a historical approach, investigates the blocking mechanisms that prevent this issue from becoming the subject of Brazilian public policy development. Using the Narrative Policy Framework (NPF) as a basis, the methodology includes an analysis of editorials from three of the largest Brazilian newspapers (Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, and CartaCapital) between 2003 and 2023—a period that encompasses two frustrated attempts: a draft prepared by the federal government and a popular initiative project. With the assistance of the textual analysis software Iramuteq, the content of 92 journalistic editorials is examined to understand the political actions of the Brazilian press regarding its own regulation, as well as its relations with the political field and potential inhibitors of the agenda. The methodology is further enriched by a series of six semi-structured interviews with actors from institutional party politics, social movements, and professional associations. The results indicate that CartaCapital is aligned with the narrative that interprets regulation as a democratizing process, while Folha de S. Paulo and, especially, O Estado de S. Paulo are associated with the anti-censorship narrative, interpreting the proposal as an authoritarian action and vilifying left-wing leaders. The conclusion is that the narrative of journalistic companies, as a bloc, and their control over public sphere discussions operate as a blocking mechanism: the power consolidated within the media field and the governability dynamics typical of the legislative power intimidate decision-makers, who then retreat from the intention of establishing regulatory measures. Despite the particularities in the positioning of the studied outlets, all three essentially defend and repudiate the same projects: they accept economic regulation but oppose content interference. This demonstrates that the tone adopted in editorial opinions is more reflective of their sympathies or adversities towards the government and political parties than of concrete support for or opposition to media regulation