Racionalidade pacificadora : os reflexos da colonialidade na governamentalidade brasileira acerca da paz
Resumo
Resumo: O termo "pacificação" tem ganhado crescente relevância no vocabulário político e securitário brasileiro. Não é incomum que essa expressão – e seus correlatos, "pacificar", "pacificador" e "pacificado" – seja empregada por lideranças políticas, militares, agentes de segurança pública e, até mesmo, por meios de comunicação para se referir a diferentes práticas voltadas à construção da paz e à manutenção da ordem social no país. Observa-se, contudo, uma constante associação entre "pacificação" e "construção da paz", desconsiderando, em muitos casos, as distintas práticas, estratégias e racionalidades inerentes a cada um desses conceitos. Isso ocorre porque, apesar da importância e recorrência do termo, ainda não há clareza conceitual e política sobre seus significados no contexto brasileiro. Diante disso, este estudo propõe investigar a pacificação como uma racionalidade política vinculada à governamentalidade brasileira sobre a paz, com base em uma análise das intersecções entre pacificação e governamentalidade. A pesquisa utiliza conceitos de governamentalidade de Michel Foucault e a perspectiva decolonial de autores como Aníbal Quijano e Walter Mignolo, para compreender como as práticas de pacificação no Brasil, tanto internas quanto externas, podem ser vistas como continuidades de práticas coloniais, que mantêm dinâmicas de exclusão e controle social. O objetivo central da pesquisa é expandir a compreensão sobre a pacificação no Brasil, propondo uma análise crítica sobre suas implicações sociais e políticas, com foco no impacto das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro. A pesquisa também busca oferecer uma contribuição teórica para os Estudos para a Paz, ao integrar as dimensões de governamentalidade pós-colonial e colonialidade na análise das práticas pacificadoras, enfatizando como essas práticas continuam a estruturar desigualdades sociais e raciais. Ao abordar a pacificação como uma forma de governamentalidade pós colonial, este trabalho visa revelar as continuidades históricas de controle e repressão, sugerindo que, ao invés de promover a paz, a pacificação perpetua práticas de subordinação e exclusão. A estrutura do trabalho é dividida em cinco capítulos que combinam a analítica da governamentalidade e a teoria decolonial. O primeiro capítulo apresenta as abordagens teóricas de governamentalidade e colonialidade como ferramentas para entender os processos de poder e governo. O segundo capítulo discute a conceituação de pacificação, diferenciando a da ideia de "construção da paz", e analisa sua aplicação histórica no Brasil. O terceiro capítulo explora a relação entre pacificação e a construção do Estado, destacando momentos históricos como o período colonial e imperial. O quarto capítulo foca na construção discursiva das favelas cariocas, analisando sua transformação de espaços marginalizados para símbolos de violência. O quinto capítulo investiga a militarização e a criação das UPPs, demonstrando como essas práticas se conectam à lógica colonial de controle e repressão, refletindo a continuidade de estratégias de governança excludentes e raciais Abstract: The term "pacification" has gained increasing relevance in the Brazilian political and security vocabulary. It is not uncommon for this expression — and its related forms, "to pacify," "pacifier," and "pacified" — to be employed by political leaders, military officials, public security agents, and even the media to refer to various practices aimed at peacebuilding and the maintenance of social order in the country. However, one observes a persistent conflation between pacification and peacebuilding, which often disregards the distinct practices, strategies, and rationalities inherent to each of these concepts. This occurs because, despite the term's frequent use and apparent importance, there remains a lack of conceptual and political clarity regarding its meanings within the Brazilian context. In light of this, the present study proposes to investigate pacification as a political rationality linked to the Brazilian governmentality of peace, based on an analysis of the intersections between pacification and governmentality. The research draws on Michel Foucault’s concept of governmentality and incorporates decolonial perspectives from authors such as Aníbal Quijano and Walter Mignolo, in order to understand how pacification practices in Brazil — both domestic and international — can be seen as continuities of colonial practices that perpetuate dynamics of exclusion and social control. The central objective of this research is to broaden the understanding of pacification in Brazil by offering a critical analysis of its social and political implications, with particular focus on the impact of the Pacifying Police Units (UPPs) in Rio de Janeiro. The study also aims to contribute theoretically to the field of Peace Studies by integrating postcolonial governmentality and coloniality into the analysis of pacification practices, emphasizing how such practices continue to structure social and racial inequalities. By approaching pacification as a form of postcolonial governmentality, this work seeks to reveal the historical continuities of control and repression, suggesting that rather than promoting peace, pacification perpetuates practices of subordination and exclusion. The structure of this work is divided into five chapters, which combine the analytics of governmentality and decolonial theory. The first chapter presents theoretical approaches to governmentality and coloniality as tools for understanding processes of power and governance. The second chapter discusses the conceptualization of pacification, distinguishing it from the notion of peacebuilding, and analyzes its historical application in Brazil. The third chapter explores the relationship between pacification and state-building, highlighting key historical periods such as the colonial and imperial eras. The fourth chapter focuses on the discursive construction of Rio de Janeiro's favelas, analyzing their transformation from marginalized spaces into symbols of violence. The fifth chapter investigates the militarization and creation of the UPPs, demonstrating how these practices align with colonial logics of control and repression, reflecting the persistence of exclusionary and racialized governance strategies
Collections
- Teses [63]