Representações e práticas da esgrima nos jornais brasileiros : da utilidade militar à esportivização (1816-1904)

Abstract

Resumo: A presente tese de doutoramento analisou a presença da esgrima ao longo do século XIX e início do XX no Brasil, especificamente entre os anos de 1816 e 1904, explorando seus usos e transformações que culminaram no seu processo de esportivização. Ao amparar-se no conceito de representação de Roger Chartier, a investigação identificou categorias e classificações associadas à esgrima nas ocorrências jornalísticas, revelando práticas e usos representados nas notícias impressas nos jornais brasileiros. A pesquisa demonstrou que o ensino sistemático da esgrima foi introduzido no Brasil por instituições militares, das quais os jornais oficiais publicavam resoluções e regulamentos que incluíam o ensino das armas brancas. Embora as aulas práticas na Academia Real Militar e Companhia dos Guardas-Marinha fossem muitas vezes negligenciadas nas primeiras décadas do século XIX, a organização administrativa dos reinados de D. João VI e D. Pedro I impactou na presença da esgrima no meio militar e até como metáfora nas discussões políticas. A partir do estabelecimento do exército e da marinha e após a Proclamação da Independência brasileira, a esgrima também começou a ser oferecida em anúncios de jornais para civis em aulas privadas lecionadas predominantemente pelos mesmos mestres d’armas que atuavam no meio militar. A prática era representada como útil para a defesa pessoal e a educação, destacando seu caráter nobiliárquico. Ao longo do século XIX a esgrima passou a acumular novos usos adentrando em colégios particulares e aproximando-se da gymnastica como atividade higiênica útil à educação da mocidade brasileira. No decorrer do processo civilizador e modernizador pelo qual a sociedade brasileira passava na segunda metade do século XIX, a prática de adequou ao contexto e demandas sociais e militares. Com as transformações culturais e civilizatórias, e com o aumento da imigração europeia ao Brasil o associativismo cresceu principalmente nos maiores centros urbanos do país. Na formação de clubes, a esgrima consolidou seu uso como divertimento, tanto em meio civil quanto militar. A partir de então se deu gradualmente o processo de esportivização da modalidade com a realização de torneios e competições, sendo considerada parte da modernização das práticas esportivas do país. No início do século XX, a esgrima continuou sua transformação, permitindo a participação de mulheres e na organização dos primeiros campeonatos nacionais. A prática tornou-se mais sistematizada e acessível, aproximando-se das lógicas do esporte moderno. A tese concluiu que a esgrima no Brasil passou por múltiplas transformações ao longo do século XIX, adaptando-se a diferentes contextos sociais, militares e culturais, sem excluir seus usos anteriores. A presença militar foi constante e essencial ao longo do desenvolvimento da esgrima brasileira, contribuindo significativamente para sua esportivização

Abstract: This doctoral thesis analyzed the presence of fencing throughout the 19th and early 20th centuries in Brazil, specifically between the years 1816 and 1904, exploring its uses and transformations that culminated in its sportivization process. By relying on Roger Chartier's concept of representation, the investigation identified categories and classifications associated with fencing in journalistic occurrences, revealing practices and uses represented in the journalistic occurrences printed in Brazilian newspapers. The research demonstrated that the systematic teaching of fencing was introduced in Brazil by military institutions, of which the official newspapers published resolutions and regulations that included the teaching of bladed weapons. Although practical classes at the Royal Military Academy and Marine Guards Company were often neglected in the first decades of the 19th century, the administrative organization of the reigns of D. João VI and D. Pedro I impacted the presence of fencing in the military and even as a metaphor in political discussions. After the establishment of the army and navy and after the Proclamation of Brazilian Independence, fencing also began to be offered in newspaper advertisements for civilians in private classes taught predominantly by the same masters of arms who worked in the military. The practice was represented as useful for personal defense and education, highlighting its noble character. Throughout the 19th century, fencing began to accumulate new uses, entering private schools and becoming close to gymnastics as a hygienic activity useful for the education of Brazilian youth. During the civilizing and modernizing process that Brazilian society was going through in the second half of the 19th century, the practice adapted to the social and military context and demands. With cultural and civilizational transformations, and the increase in European immigration to Brazil, associations grew mainly in the country's largest urban centers. In the formation of clubs, fencing consolidated its use as entertainment, both in civil and military environments. From then on, the process of sportivization of the modality gradually took place with the holding of tournaments and competitions, being considered part of the modernization of sporting practices in the country. At the beginning of the 20th century, fencing continued its transformation, allowing women to participate and organizing the first national championships. The practice became more systematized and accessible, approaching the logic of modern sport. The thesis concluded that fencing in Brazil underwent multiple transformations throughout the 19th century, adapting to different social, military and cultural contexts, without excluding its previous uses. The military presence was constant and essential throughout the development of Brazilian fencing, contributing significantly to its sportivization