Mutação mútica : ouvir texturas ao vento nas sendas do agora: as figurações da escuta no haicai e suas ressonâncias na criação sonora
Resumo
Resumo: Essa tese investiga alguns processos perceptivos do que estamos chamando de ‘figurações da escuta’ a partir do estudo do haicai e seus agenciamentos na criação sonora. Buscamos traçar um paralelo entre o haicai e sua tradição pré-moderna do Japão (1600-1850) – enquanto um eixo de referencialidades não metafísicas e não logocêntricas – e os múltiplos modos de expressão poética, seja na composição musical, na música experimental, na performance e arte sonoras ou na livre improvisação contemporâneas. Inicialmente, verificamos a presença do haicai e do zen budismo num amplo espectro do repertório artístico-sonoro desde o início do século XX aos dias atuais – seja em composições de H.J. Koellreutter, Willy Corrêa de Oliveira, Murray Schafer, seja na música acusmática de Annette Vande Gorne. Desse panorama, esboçamos duas grandes categorias de figurações da escuta, estabelecendo um território ora mais formal e estrutural, ora mais informal e experimental. Em seguida, por um lado delineamos um paralelo entre as características do zen e do haicai e alguns traços da filosofia da imanência de Deleuze e Guattari, considerando o haicai como uma hecceidade poética; por outro lado, definimos um campo ou textura expandidos da audibilidade ao considerar o haicai como uma escrita de ouvido a partir da perspectiva de sua integração com os estudos atuais que exploram a conjunção entre o som, a escuta, a escrita e a leitura de textos literários. Além disso, constatamos algumas formações de territórios híbridos – como em John Cage, Pauline Oliveros, Keith Rowe e Mieko Shiomi – diluindo as fronteiras rígidas entre arte e cotidiano e abrindo algumas possibilidades para pensarmos na ideia do haicai como uma performance da existência e um núcleo de forças motrizes no âmbito na criação sonora. Por fim, nosso principal objetivo é a realização de uma série de trabalhos autorais em composição, arte sonora e improvisação eletroacústica (com guitarra preparada) como forma de aglutinar a experiência de escrita e leitura de haicais com as contingências de nossa vida cotidiana. Esperamos assim contribuir com a área da Pesquisa em Arte (Artistic Reasearch) ampliando os dinamismos e limiares das condições para a produção de presenças e atmosferas sonoras e não sonoras – humanas e não humanas – e estabelecer um âmbito de atividades teóricopráticas em torno das propostas artísticas intituladas "Sendas", "Ouvir texturas ao vento" e "Mutação mútica": um interstício paradoxal onde se interpenetram o mundo real e o mundo imaginário, onde texto e escuta, tempo e espaço, sujeito e meio ambiente tecem e negociam ininterruptamente diálogos entre sons, sentidos e afetos. Abstract: This thesis investigates some perceptual processes of what we are calling ‘figurations of listening’ based on the study of haiku and its agencies in sound creation. We seek to draw a parallel between haiku and its pre-modern tradition in Japan (1600- 1850) – as an axis of non-metaphysical and non-logocentric references – and the multiple modes of poetic expression, whether in musical composition, experimental music, contemporary performance and sound art or free improvisation. Initially, we verified the presence of haiku and Zen Buddhism in a wide spectrum of the artisticsound repertoire from the beginning of the 20th century to the present day – whether in compositions by H.J. Koellreutter, Willy Corrêa de Oliveira, Murray Schafer, or in the acousmatic music of Annette Vande Gorne. From this panorama, we outline two major categories of figurations of listening, establishing a territory that is sometimes more formal and structural, sometimes more informal and experimental. Then, on the one hand we outline a parallel between the characteristics of Zen and haiku and some traits of Deleuze and Guattari's philosophy of immanence, considering haiku as a poetic haecceity; on the other hand, we define an expanded field or texture of audibility by considering haiku as writing by ear from the perspective of its integration with current studies that explore the conjunction between sound, listening, writing and reading texts literary. Furthermore, we observed some formations of hybrid territories – as in John Cage, Pauline Oliveros, Keith Rowe and Mieko Shiomi – diluting the rigid boundaries between art and everyday life and opening up some possibilities for us to think about the idea of haiku as a performance of existence and a nucleus of driving forces within the scope of sound creation. Finally, our main objective is to carry out a series of original works in composition, sound art and electroacoustic improvisation (with a prepared guitar) as a way of combining the experience of writing and reading haiku with the contingencies of our daily lives. We thus hope to contribute to the area of Artistic Research by expanding the dynamisms and thresholds of conditions for the production of sonic and non-sound presences and atmospheres – human and nonhuman – and establishing a scope of theoretical-practical activities around the artistic proposals entitled "Sendas", "Listening to textures in the wind" and "Mutação mútica": a paradoxical interstice where the real world and the imaginary world interpenetrate, where text and listening, time and space, subject and environment weave and negotiate uninterruptedly dialogues between sounds, senses and affections.
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- Teses [47]