O mal-estar na residência multiprofissional em psicologia : uma leitura do encontro do sujeito com a instituição

Abstract

Resumo: Esta dissertação analisa os efeitos subjetivos da Residência Multiprofissional em Psicologia no Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC-UFPR), tomando como eixo o conceito freudiano de mal-estar e suas reformulações por Lacan. A Residência Multiprofissional em Saúde, concebida como política pública de formação em serviço para o Sistema Único de Saúde, constitui um espaço privilegiado para observar os atravessamentos institucionais que incidem sobre jovens profissionais. No caso da Psicologia, tal experiência formativa articula a inserção em cenários hospitalares complexos com a exigência de reposicionamento ético, clínico e político, o que convoca processos intensos de subjetivação. A investigação partiu da hipótese de que o encontro entre residentes e a instituição hospitalar produz não apenas desafios técnicos ou organizacionais, mas também efeitos subjetivos estruturados pelos discursos que regulam o trabalho em saúde. Para explorar essa problemática, adotou-se uma abordagem qualitativa, de inspiração psicanalítica, baseada em três dispositivos metodológicos articulados: (1) a produção de narrativas memorialísticas por psicólogos residentes; (2) a elaboração de imagens mediadas por inteligência artificial generativa como recurso de simbolização do vivido; e (3) a análise psicanalítica de narrativas, sustentada na análise lacaniana de discurso. Os resultados indicam que o mal-estar na Residência se manifesta em múltiplos níveis. Além da sobrecarga assistencial, das fragilidades pedagógicas e da precarização institucional já descritas pela literatura, emergem formas de estranhamento, identificação e resistência vinculadas à lógica discursiva que organiza o hospital. Sob a prevalência dos discursos do Mestre e do Universitário, os residentes se veem interpelados por demandas de normatização e desempenho que frequentemente colidem com sua singularidade subjetiva. Essa tensão produz tanto sofrimento psíquico, expresso em ansiedade, esgotamento e sensação de desamparo, quanto movimentos de deslocamento subjetivo, nos quais os residentes encontram estratégias simbólicas para ressignificar sua posição no percurso formativo, ao mesmo tempo em que se evidencia uma satisfação paradoxal ligada à permanência, ao sacrifício e ao "dar conta", indicativa de um mais-de-gozar produzido no laço com a instituição. A análise revela ainda que a instituição hospitalar, ao mesmo tempo em que possibilita aprendizagem e inserção profissional, pode também funcionar como vetor de silenciamento, reforçando a lógica produtivista em detrimento da escuta do sujeito. Nesse cenário, os dispositivos narrativos e imagéticos utilizados mostraram-se potentes para favorecer a elaboração simbólica do vivido, abrindo espaço para a emergência de significantes que escapam ao registro puramente técnico ou administrativo. Conclui-se que a Residência Multiprofissional em Psicologia é atravessada por um paradoxo: constitui espaço de formação e promessa de inserção no SUS, mas também lugar de intensificação do mal-estar e do sofrimento psíquico. A partir dessa constatação, a pesquisa propõe a necessidade de políticas institucionais que reconheçam a incompletude simbólica das instituições e sustentem práticas de escuta e acolhimento voltadas à singularidade dos sujeitos envolvidos. Como contribuição, o estudo oferece uma leitura crítica da Residência Multiprofissional em Saúde, ampliando o debate sobre as interfaces entre trabalho, subjetividade e institucionalidade no campo da Psicologia Hospitalar

Abstract: This dissertation examines the subjective effects of the Multiprofessional Residency in Psychology at the Complexo Hospital de Clínicas of the Federal University of Paraná (CHC UFPR), grounded in Freud’s concept of Das Unbehagen in der Kultur (commonly translated as Civilization and Its Discontents) and Lacan’s subsequent reformulations. Conceived as a public policy for in-service training within Brazil’s Unified Health System (SUS), the Multiprofessional Residency in Health provides a privileged setting for analyzing the institutional dynamics that shape the experience of young professionals. For psychology trainees, this context combines insertion into complex hospital scenarios with the ethical, clinical, and political demands of professional repositioning, thus triggering intense processes of subjectivation. The research was based on the hypothesis that the encounter between residents and the hospital institution generates not only technical or organizational challenges, but also subjective effects structured by the discourses that regulate health work. A qualitative approach inspired by psychoanalysis was adopted, articulated through three methodological devices: (1) the production of memorial narratives by resident psychologists; (2) the elaboration of images generated through artificial intelligence as a symbolic resource; and (3) psychoanalytic narrative analysis, conducted through a Lacanian discourse framework. Findings show that Unbehagen within the Residency manifests on multiple levels. Beyond the well-documented issues of workload, pedagogical fragility, and institutional precariousness, the study highlights forms of estrangement, identification, and resistance linked to the discursive logic organizing the hospital. Under the predominance of the Master’s and University discourses, residents are summoned by demands of normalization and performance that often conflict with their subjective singularity. This tension produces psychological suffering, expressed as anxiety, exhaustion, and feelings of helplessness, while also fostering subjective shifts in which residents mobilize symbolic strategies to reinterpret their place in the training process, at the same time as a paradoxical satisfaction becomes apparent, tied to remaining, sacrificing, and "managing to cope", indicative of a form of surplus enjoyment (plus-de-jouir) produced in their bond with the institution. The analysis further reveals that the hospital, while enabling professional learning and integration, can also act as a vector of silencing, reinforcing a productivity-oriented logic at the expense of listening to the subject. In this context, the narrative and image-based devices employed proved effective in enabling symbolic elaboration of experience, allowing the emergence of signifiers that escape strictly technical or administrative registers. The study concludes that the Multiprofessional Residency in Psychology is marked by a paradox: it is simultaneously a space of training and promise of integration into the SUS, and a locus of intensified Unbehagen and psychic suffering. From this perspective, the research points to the need for institutional policies that acknowledge the symbolic incompleteness of institutions and sustain practices of listening and support attuned to the singularity of those in training. As its main contribution, the study offers a critical reading of the Multiprofessional Residency in Health, broadening the debate on the intersections between work, subjectivity, and institutional frameworks within the field of Hospital Psychology