Cenas de sangue : crimes passionais na literatura de Júlia Lopes de Almeida e nos periódicos cariocas e paulistas (1890-1930)

Abstract

Resumo: Essa tese tem como principal objetivo analisar os imaginários sociais a respeito dos crimes passionais, representados tanto em fait divers de jornais paulistas e cariocas das primeiras décadas do período republicano quanto na literatura de Júlia Lopes de Almeida. Para tanto, foram selecionadas como fontes principais o caso da Galeria de Cristal, ocorrido em São Paulo, em 1904; o crime do Tenente Faceiro, que se desenvolveu no Rio de Janeiro em 1918; e a peça dramatúrgica Quem não perdôa, de Júlia Lopes de Almeida, encenada em 1912, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Utilizaram-se também como fontes auxiliares documentos jurídicos, tais como o Código Penal de 1890 e textos de juristas como Roberto Lira, Hermes Fonseca, Viveiros de Castro e Enrico Ferri. A pesquisa buscou compreender como essas diferentes narrativas abordavam os chamados crimes da paixão e de que maneira revelavam princípios, valores e, principalmente, as concepções normativas de gênero vigentes nesse período. As fontes escolhidas foram analisadas de maneira qualitativa e fundamentadas nos conceitos de imaginário, segundo Baczko (1985), e de representação, de Chartier (2002). No estudo das representações literárias aplicou-se a metodologia da Análise do Discurso, de Orlandi (2005), associada a categorias analíticas úteis na seleção de trechos e personagens a serem estudados. O conjunto de materiais analisados permitiu identificar que, quando noticiados por periódicos, os crimes passionais eram frequentemente espetacularizados, com grande mescla de elementos reais e ficcionais. Nos dois crimes em estudo, tanto em casos com agressores homens quanto mulheres, o argumento da defesa da honra esteve presente. Contudo, observou-se que as construções de gênero da época influenciaram a forma de publicização e o tratamento jurídico dos crimes, resultando, em geral, em maior severidade na abordagem das mulheres, tanto na imprensa quanto no campo legal. Em contraposição, a obra literária de Júlia Lopes de Almeida, em vez de reafirmar concepções da época, revelou-se como um instrumento de tensionamento de imaginários, ao contestar, por meio de seu enredo e personagens, a violência nas relações amorosas bem como valores patriarcais da sociedade brasileira

Abstract: This thesis aims to analyze the social imaginaries of crimes of passion as represented in fait divers published in newspapers from São Paulo and Rio de Janeiro during the early decades of the Brazilian Republic, as well as in the literature of Júlia Lopes de Almeida. The main sources selected include the Galeria de Cristal case, which occurred in São Paulo in 1904; the Tenente Faceiro case, which took place in Rio de Janeiro in 1918; and the play Quem não perdôa, by Júlia Lopes de Almeida, staged in 1912 at the Municipal Theater of Rio de Janeiro. Additional sources include legal documents such as the 1890 Penal Code and texts by jurists such as Roberto Lira, Hermes da Fonseca, Viveiros de Castro, and Enrico Ferri. The research sought to understand how these different narratives represented crimes of passion and how they revealed the principles, values, and, above all, the normative conceptions of gender prevailing in that period. The selected sources were analyzed qualitatively, based on the concepts of imaginary by Baczko (1985) and representation by Chartier (2002). In the study of literary representations, the methodology of Discourse Analysis by Orlandi (2005) was applied, along with analytical categories useful in selecting excerpts and characters for analysis. The set of materials analyzed made it possible to identify that, when reported by newspapers, crimes of passion were often sensationalized, with a strong blend of real and fictional elements. In both case studies, the argument based on defense of honor was present, whether the perpetrator was male or female. However, it was observed that the gender constructs of the time influenced both the public portrayal and the legal treatment of these crimes, generally resulting in harsher judgments of women in both the press and the legal system. In contrast, the literary work of Júlia Lopes de Almeida, challenged prevailing social imaginaries rather than reaffirming them, by contesting, through its plot and characters, the violence in romantic relationships as well as the patriarchal values of Brazilian society