O PROBLEMA DA SUBNOTIFICAÇÃO PARA A PESQUISA E O COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL
Resumo
Introdução Estima-se que o nível de subnotificação de crimes contra vulneráveis e de casos de abuso sexual é muito alto (FBSP, 2021, p.111). Porém, falta de confiabilidade nos dados não é exclusividade desses crimes. Mesmo os homicídios, considerados os crimes cujo registro reflete com mais precisão a realidade (idem, p. 352), têm sido reportados com menos precisão: de acordo com estatística recente, houve aumento de mais de 35% nas denominadas “Mortes Violentas por Causa Indeterminada” no país entre 2018 e 2019. Estima-se que 73,9% dessas mortes sejam homicídios.1 No caso de abusos, há indícios de que as medidas de isolamento social tomadas para frear a pandemia de covid-19 dificultou ainda mais a denúncia de crimes de abuso. Diante deste cenário, cabe discutir as causas da subnotificação dos crimes contra crianças e adolescentes, assim como caminhos para reduzi-la. Este trabalho apresenta resultados parciais de uma pesquisa sobre a subnotificação dos registros de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Objetivos geral e específicos O objetivo geral deste trabalho é delinear o problema da subnotificação de abusos contra crianças e adolescentes e seu impacto no trabalho de análise dos dados sobre esse fenômeno. Os objetivos específicos são: a) discutir a subnotificação de crimes em geral; b) apresentar dados da subnotificação de crimes contra vulneráveis e de abuso sexual. Metodologia Este trabalho foi composto por pesquisa documental em material governamental, institucional e de ONGs e grupos que atuam no combate à violência sexual que vitimiza crianças e adolescentes, tais como: Ministério da Saúde, publicações de Ministérios Públicos estaduais e federal, secretarias de saúde, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Instituto Sou da Paz e a UNICEF. Fundamentação teórica Este trabalho se baseia em dois conjuntos de conceitos, nomeadamente o de análise descritiva de dados, também denominada análise exploratória de dados (IBM, 2020), e o de vulnerabilidade. A Análise Descritiva de Dados (ADD) é um procedimento utilizado para compreender o conteúdo de bases de dados. Segundo Silva e Ferrari (2016, p. 79), a ADD permite “descrever, simplificar ou sumarizar as principais características de uma base de dados, formando o princípio de qualquer análise quantitativa de dados”. Ela consiste em organizar os dados por distribuição de frequência (classes, seus limites, amplitudes, suas fronteiras e frequências), aplicar técnicas de visualização dos dados e calcular medidas de tendência, forma, posição relativa e associação (ibid., p. 82-95). A ADD analisa as características intrínsecas das bases de dados, mas no caso dos registros de violência contra vulneráveis, apresenta ferramentas que permitem analisar os dados em relação ao universo, que é a totalidade da população e suas características, assim como a comparação entre regiões e entre séries temporais. A lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, que altera parte do código penal no que se refere aos crimes contra a dignidade sexual, considera vulneráveis as crianças e os adolescentes menores de 14 anos.2 O Marco Legal do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005, p. 9) define vulnerabilidade como “a capacidade do indivíduo ou do grupo social de decidir sobre sua situação de risco”. Portanto, o vulnerável é aquele que não teria noção exata do risco em que está incorrendo (especialmente nos casos de relações online) ou do eventual crime de que é vítima (nos casos de abuso). Muitas vezes, é necessário que um adulto identifique e denuncie esses crimes, um desafio adicional para seu registro adequado. Resultados preliminares No material revisado na pesquisa documental, foram encontradas algumas características sobre o processo de notificação de crimes em geral e dos crimes contra vulneráveis que ensejam discussão. Em primeiro lugar, a necessidade da intervenção de terceiros para identificar e denunciar esses crimes é exemplificada pelo Protocolo de atenção integral a crianças e adolescentes vítimas de violência, destinado a profissionais de saúde, onde se destaca a “responsabilidade destes no enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes” (UNICEF, 2012, p. 17). Por sua vez, as taxas de subnotificação são muito altas. De acordo com relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados de 2019, apenas 33,9% das vítimas de estupro denunciaram o crime nos EUA. No Brasil, a estimativa é de que a notificação de violência sexual tenha sido feita por apenas 7,5% das vítimas (FBSP, 2021, p. 111). Outro indício da falta de confiabilidade nos registros de estupro é a diferença entre os dados dos estados brasileiros. A média de casos no país é de 28,6 vítimas por 100 mil habitantes. Porém, Roraima e Mato Grosso do Sul apresentam 66,9 e 68,9 vítimas, muito acima do Paraná, terceiro estado com mais vítimas (52). No outro extremo, Bahia, Ceará e Maranhão registraram números próximos a 20 vítimas (19,9, 19,7 e 19,2, respectivamente), o Rio Grande do Norte 15,7 e a Paraíba, apenas 3,5 vítimas (ibid.). Por fim, a pandemia de covid-19 parece ter afetado ainda mais a subnotificação desses crimes. Análise dos registros no estado de São Paulo apontou queda de 15,7% no primeiro semestre de 2020 (INSTITUTO SOU DA PAZ, 2020, p. 14). Pesquisa em âmbito nacional corrobora esta hipótese. O Gráfico 1 mostra uma correlação negativa entre a intensidade do isolamento social e o número de denúncias de estupro. A média mensal de denúncias teria caído 12,6% em março de 2020 e 21,7% em abril. GRÁFICO 1 – Denúncias de estupro e taxa de isolamento social em 2020 Fonte: FBSP, 2021, p. 239. Considerações Finais A subnotificação de casos e a ausência de informações sobre os crimes notificados podem ser empecilhos à análise de dados sobre violência. Faltam detalhes mesmo no caso dos homicídios, que seriam os crimes notificados com mais precisão. Este quadro se agrava quando se trata do abuso sexual. E a denúncia de crimes contra vulneráveis, entre os quais as crianças e os adolescentes, muitas vezes depende da intervenção de terceiros, o que as torna ainda menos comuns. A queda na notificação de estupros e estupros de vulneráveis no período de maior isolamento social em 2020 denota a importância do acesso a serviços de saúde e justiça para que as vítimas ou terceiros possam denunciar esses abusos. 1G1: “Mortes sem causa determinada crescem 35% no país, diz Atlas; 2.775 assassinatos de mulheres podem não ter sido contabilizados”. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/08/31/mortes-sem-causa-determinada-crescem-35percent-no-pais-diz-atlas-2775-assassinatos-de-mulheres-podem-nao-ter-sido-contabilizados.ghtml>. Acesso em 22/11/2021. 2 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm>. Acesso em 21/11/2021. p.sdfootnote { margin-bottom: 0cm; direction: ltr; font-size: 10pt; line-height: 100%; text-align: left; orphans: 2; widows: 2; background: transparent }p { margin-bottom: 0.25cm; direction: ltr; line-height: 115%; text-align: left; orphans: 2; widows: 2; background: transparent }a:link { color: #0563c1; text-decoration: underline }a.sdfootnoteanc { font-size: 57% }