VIOLÊNCIA SEXUAL VIRTUAL NO CONTEXTO DE TEMPO DE COVID-19
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Data
2022-10-07Autor
Edyane Silva de Lima
Marselle Nobre de Carvalho
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A infância é etapa essencial no desenvolvimento e formação do ser humano em sociedade. Envolve processos de formação da subjetividade e aspectos da sociabilidade, que são atravessados por relações sociais. Sendo que neste movimento de (re)construção das relações da criança, a família e o meio externo como a comunidade e os meios de comunicação, exercem papel fundamental no fornecimento de conteúdos e informações, refletindo diretamente no desenvolvimento e manifestações de seus comportamentos.Neste processo formativo, o fenômeno da violência tem assolado infelizmente a realidade da infância no Brasil. Por sua dimensão histórica, sofre transformações e possui diferentes formas de se manifestar, sendo impressa também pela violência sexual. O acesso à internet é cada vez mais comum entre as crianças, sobretudo no período da pandemia da Covid-19[1], s tornando um mecanismo essencial para socialização e processo educacional inclusive. A exposição de hábitos, rotinas, fotografias e vídeos tem sido frequentes, evidenciando um espetáculo da vida através das redes. Em meio ao uso das tecnologias, em que conteúdos de diversas ordens estão dispostos ao consumo, exige-se maior atenção dos/as responsáveis, uma vez que materiais de cunho erótico, sexual e violentos também fazem parte do rol das ofertas no mundo cibernético. Portanto, estar conectado nos coloca em situação vulnerável a crimes virtuais, inclusive a crimes de pedofilia, em que a produção, a venda e a distribuição de pornografia infantil, assim como a posse deste tipo de material estão disponíveis. Os crimes de pedofilia, também configura um tipo que a violência sexual contra crianças, tendo impactos perigosos, requerendo atenção e cuidados, exigindo das políticas existentes melhor percepção e atuação efetiva. Com intuito de discutir acerca desta temática, apontamos algumas reflexões sobre a questão e o seu enfrentamento, destacando a política de saúde, cuja tem uma linha de cuidados específica às vítimas de violência e suas famílias, bem como as unidades básicas de saúde descentralizadas em territórios. Tendo em vista que a violência sexual reverbera também com a utilização de recursos tecnológicos, temos como objetivo geral deste trabalho problematizá-la sobretudo em sua incidência contra crianças no meio virtual. Evidenciando enquanto objetivos específicos: - Como a violência sexual virtual se intensifica em contexto pandêmico da Covid-19, bem como, discutir sobre os mecanismos de atendimento e prevenção através da política de saúde deste fenômeno. Utilizamos de revisão bibliográfica e documental, traçando reflexões acerca do fenômeno da violência sexual contra criança em meio virtual. Observa-se que desde a década de 1990 a violência é reconhecida oficialmente como o maior problema de saúde pública no mundo pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS), atingindo diferentes classes sociais e econômicas, bem como culturas, exigindo uma compreensão multilateral. Dentre os tipos de violência, destacamos para esta proposta de discussão a violência sexual infantil, compreendida pela OMS como: Abuso sexual infantil é o envolvimento de uma criança em atividade sexual que ele ou ela não compreende completamente, é incapaz de consentir, ou para a qual, em função de seu desenvolvimento, a criança não está preparada e não pode consentir, ou que viole as leis ou tabus da sociedade. O abuso sexual infantil é evidenciado por estas atividades entre uma criança e um adulto ou outra criança, que, em razão da idade ou do desenvolvimento, está em uma relação de responsabilidade, confiança ou poder (World Health Organization - WHO -, 1999, p. 7). Compreende-se que, mediante relações de poder, como superioridade de idade, de força física, da condição financeira e/ou, social, se exerce a submissão, o domínio para satisfação sexual do dominador. Seus eventos ocorrem majoritariamente em âmbito familiar, manifestando de forma silenciosa, prevalecendo a dimensão do “segredo de família”, em que a denúncia pode levar muito tempo para ocorrer ou até mesmo não acontecer. No caso da pedofilia, a mesma está classificada como “Preferência sexual por crianças, quer se tratem de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade” (CID 10, item F65.4, 2012). É também uma forma de violência sexual, evidenciando como uma doença que utiliza de fantasias sexuais, impulsos ou comportamentos envolvendo atividade sexual com uma criança, referindo-se o/a pedófilo/a, a pessoas com no mínimo 16 anos e cinco anos mais velho/a do que a vítima (DSM-IV, 2003) Embora a violência sexual contra criança tenha suas conotações centradas no abuso sexual e na exploração sexual, em cada uma destas classificações existem suas particularidades, no entanto, a dimensão do exercício da relação de poder sobre a criança e a satisfação sexual do violador, são fatores comuns nas mesmas. No meio cibernético, violência desta natureza tem sido recorrente, sobretudo em tempos de pandemia. A mesma tem se agudizado, uma vez que as crianças tem fortemente acessado as tecnologias e a internet. Felipe e Prestes (2012, p. 6) expõem que em 2004 o Brasil ocupou 4º lugar no ranking de produção de material pornográfico, especialmente pertinentes à pornografia infantil, para sustentar o mercado da pedofilia. A pedofilia virtual se agravou, conforme dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, em 2020, houve um aumento de 30% nos casos de violência doméstica no país, bem como aumento nos números de crimes cibernéticos e de exploração sexual infantil na internet na Delegacia de Crimes Cibernéticos do Paraná (GAZETA DO POVO, 2020). Entre janeiro e abril de 2021, 15.856 páginas, com conteúdos alusivos à pornografia infantil, foram denunciadas, destes, 7.248 foram removidas por indício de crime. Estes números apontam crescimento de 33,45% nas denúncias em relação ao mesmo período em 2020, em que foram 11.881 páginas denunciadas e 6.938 removidas (SAFERNET BRASIL, 2021). Observa-se que a pandemia desencadeou uma maior percepção sobre a ocorrência de crimes desta natureza. Em 2020 alcançou o recorde de 98.244 denúncias anônimas de páginas de internet contendo pornografia infantil (SAFERNET BRASIL, 2021). Em 2018, o Brasil registrou 133.732 queixas de delitos virtuais, 110% a mais em relação a 2017 (BRASIL, 2020). O fato de as crianças ficarem mais tempo online, as submete a maior risco de exposição a situações de crimes de pedofilia. De acordo com um estudo indiano, aproximadamente 65% dos pequenos estão viciados em celulares, tablets, computadores e laptops, sendo incapazes de manter distância deles mesmo que por 30 minutos (CRESCER ONLINE, 2020). A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que crianças entre 6 e 10 anos tenha acesso a tela até 2 horas diárias, entretanto a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box, 2020 revelou as crianças nesta faixa etária dispendem mais que o dobro do tempo, isto é, o índice passou de 30% para 43% (SBP, 2020 e ANDI, 2021). Isto é, estamos duramente na contracorrente das recomendações de órgãos de saúde, dimensionando que este excesso de tela provoca sérios prejuízos a nível fisiológicos e metais à saúde ao desenvolvimento da criança. Outro fator a ser considerado é que nem todos/as responsáveis permaneceram em casa durante a pandemia, ou se ficaram, exerceram as atividades de trabalho no meio doméstico. Não ocorrendo a supervisão dos conteúdos acessados pelas crianças, à contendo. E por fim, registra-se o fechamento das escolas, equipamento fundamental da rede de apoio e enfrentamento à violência na infância. Nesta toada, o Disque 100 registrou 23.351 denúncias de violência sexual (estupro, abuso, assédio e exploração), aumento de 23,4% em relação aos 18.911 registros de 2019 (ONDH, 2020). Nota-se que na linha histórica dos últimos anos, as denúncias de exposição de crianças e adolescentes na internet estão entre os cinco tipos de violações mais denunciados, exigindo intervenções urgentes. (SAFERNET, 2021). Desde a Constituição Federal de 1988, estão previstos o direito à privacidade, a não violação da intimidade, honra e a imagem, bem como a proteção integral à criança sendo obrigatória a denúncia de violência sexual. Em 2014, tivemos o marco civil da Internet, que regulariza sua utilização, demarcando avanços na legislação. No que se refere ao atendimento às vítimas, o Brasil dispõe historicamente da construção e revisão de fluxos e protocolos de atenção às vítimas de violência, com destaque ao caráter de uma atuação intersetorial e em rede, materializado sobretudo por meio da “Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde” (2010), no entanto, estas estruturas mostram-se falhas no enfrentamento do fenômeno da violência sexual, especialmente aos crimes sexuais cibernéticos, conforme podemos visualizar os dados crescentes e alarmantes no território brasileiro. Percebemos que o combate à violência sexual, pressupõe ultrapassar a perspectiva jurídica, que se reduz a condenação do agressor, execução de protocolos e fluxos de serviços. Se faz necessário e contundente, transformações das condições objetivas da sociedade que se alicerçam em suportes de dominação, até mesmo pela própria máquina do Estado que imprime a manutenção da ordem social sob relações opressoras, naturalizando esta referência de conhecimento como correta. A partir das reflexões propostas, temos que o Estado ao passo que reconhece a violência sexual enquanto “problemática”, contemplando inclusive em seus protocolos institucionais, não tem dado conta de suas novas manifestações, demarcando fragilidades na prestação de atendimentos, até mesmo na insuficiente formação de seus profissionais. Entendo pertinente discutir sobre as relações de poder e dominação que perpassam o ambiente familiar, institucionais e também o mundo virtual, em que pese para a criança, um segmento vulnerável, que é coagida, forçada, especialmente no caso da situação de violência sexual, a satisfazer a vontade de outrem. A violência, constitui um ciclo que a criança por si própria não tem condições de romper. E, os ambientes institucionais, como os serviços de saúde, ainda possuem profissionais e uma ordem estrutural que segue numa lógica também coercitiva, de obediência e silêncio de situações opressoras. Logo, crimes sexuais cibernéticos, por mais que deixe suas marcas e reflexos para o desenvolvimento da criança, por não haver um caráter palpável como a violência física, se torna mais difícil de ser percebido, dificultando orientações cabíveis e reprodução de culpabilização da vítima. Contudo, é salutar ações articuladas no território, fomentando e viabilizando informação de qualidade, entendendo que estamos sob condições objetivas semelhantes, percebendo a vítima, sua família, valorizando a fala, o saber. Proporcionar um ambiente e incidências humanizadas, acolhendo, ouvindo, e não tratar apenas como mais uma demanda corriqueira do serviço. É urgente romper com a relação de dominação, ainda presente, nos serviços de saúde, especialmente às crianças vítimas de violência sexual e suas famílias. Conferindo uma relação de respeito, acolhimento, valorização e segurança entre pessoas. [1] Em dezembro de 2019, noticiou-se a existência de uma nova classe de coronavírus, o SARS-Cov 2, na província de Wuhan, na China. Este vírus ocasionou ou a pandemia de COVID-19 que se alastrou pelo mundo inteiro e foi declarada como emergência de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde (OMS) conforme estudos de Foust et al (2020).