O que escuta um psicanalista? : estratégias de escuta e processos psíquicos a partir da obra freudiana
Resumo
Resumo: A presente dissertação teve como ponto de partida uma questão suscitada pela prática clínica sobre os norteadores da escuta em psicanálise. Identificou-se, por meio do levantamento sobre o campo atual de debate e produção, um alto índice de menções ao tema contrastado com uma precariedade de sua formalização. Buscando forjar uma resposta à indagação inicial, realizou-se um retorno aos primórdios da sistematização da escuta clínica por Freud, desde o princípio de sua produção teórica. Adotamos, como estrutura de trabalho, a circunscrição de processos psíquicos identificados e teorizados por Freud e a inferência, por nós, de estratégias de escuta correspondentes, assim como o uso de passagens clínicas do próprio autor para a elucidação e exemplificação dos processos psíquicos circunscritos. O desenvolvimento da pesquisa subdivide-se em quatro capítulos. Ao primeiro, reservou-se a exploração dos artigos pré-psicanalíticos freudianos, a inserção de Freud no campo teóricoclínico e o início de seu trabalho próprio com a escuta. Desta etapa, formalizou-se: a) mecanismo psíquico e escuta do conflito; b) sobredeterminação e escuta da história do adoecimento; c) trauma e escuta dos afetos; d) sexualidade e escuta de fantasias infantis; e) defesa e escuta das resistências. O segundo capítulo, inaugurado com a constatação freudiana da transferência como modalidade de resistência, tratou-se dos registros teóricos pertencentes à primeira tópica, especificamente sobre a transferência no trabalho onírico e como derivada da sexualidade infantil, para os quais inferimos: f) o trabalho do sonho e a escuta da tradução onírica; g) sexualidade infantil e escuta do conflito edípico; h) transferência e escuta dos afetos investidos no analista. A verificação por Freud da repetição na transferência demarcou a passagem para o terceiro capítulo, dedicado à transição da primeira para a segunda tópica, norteada pelas considerações sobre o narcisismo e a agressividade. Em correspondência a estes processos psíquicos, propôs-se: i) transferência negativa e escuta da agressividade; j) narcisismo primário e escuta da fragilidade narcísica; k) narcisismo secundário e escuta da capacidade de investimento libidinal. No último capítulo, adentramos a segunda tópica com a visada dos processos psíquicos primitivos, em razão da exploração dos processos psíquicos abordados no terceiro capítulo. Para estes, depreendemos: l) impulsos de separação e escuta da destrutividade; m) repetições do Isso e escuta do sentimento inquietante; n) mecanismos de defesa e escuta de tipos de angústia; o) transferência dos processos primitivos e escuta dos afetos no analista. Constatamos que a adoção de enquadres para a escuta não necessariamente implica na obturação da atenção flutuante proposta por Freud. Isso porque, diferenciou-se a consideração pelos processos psíquicos, via estratégias, da escuta dos conteúdos da ordem singular, pelos quais tais processos se manifestam. Localizamos na passagem para a segunda tópica freudiana, com a consideração dos processos primitivos não simbólicos, um limite sobre a noção de "escuta" no seu sentido referido às palavras, à representação. Ainda nessa fronteira, identificamos um vasto campo de trabalho, uma vez que o campo psíquico primitivo também reivindica reconhecimento clínico. Abstract: The present dissertation began with a question raised by clinical practice, regarding the guidelines of listening in psychoanalysis. By reviewing the current field of debate and production, it was found a high frequency of references to the topic contrasted with a lack of formalization. With the intention of answering the initial inquiry, a return to Freud's early systematization of clinical listening in the beginning of his theory was made. The following structure to the research was adopted: circumscribe psychic processes identified and theorized by Freud and infer corresponding listening strategies. Clinical passages from Freud himself were used to elucidate and exemplify the circumscribed psychic processes. The dissertation was developed in four chapters. The first one explored Freud's pre-psychoanalytic articles, his entry into the theoretical-clinical field, and the beginning of his personal work with listening. In this stage, it was formalized the following pairs of psychic processes and listening strategies: a) psychic mechanism and listening to conflict; b) overdetermination and listening to the history of illness; c) trauma and listening to affects; d) sexuality and listening to childhood fantasies; e) defense mechanisms and listening to resistances. The second chapter began with Freud's observation about the transference as resistance. It examined the first topography, specifically the transference in dream-work and its derivation from infantile sexuality. These were the pairs constructed: f) oniric work and listening to dream translation; g) infantile sexuality and listening to Oedipal conflicts; h) transference and listening to affects invested in the analyst. Freud's verification of repetition in transference marked the entrance to the third chapter, dedicated to the transition from the first to the second topography, guided by considerations of narcissism and aggression. Corresponding to these psychic processes, three pairs were deduced: i) negative transference and listening to aggression; j) primary narcissism and listening to narcissistic vulnerability; k) secondary narcissism and listening to the capacity for libidinal investment. The final chapter focused on primitive psychic processes into the second topography, based on the processes discussed in the third chapter. To the primitive psychic processes, it was implied: l) separation impulses and listening to destructiveness; m) Id repetitions and listening to feeling of estrangement; n) defense mechanisms and listening to types of anxiety; o) transference of primitive processes and listening to the analyst’s affects. It was noted that adopting frameworks to listen does not necessarily imply the closure of free-floating attention, as proposed by Freud, in light of the distinction between the consideration of the psychic processes through strategies and the listening to the singularity expressed through these processes. The transition to Freud's second topography, added to the consideration of primitive, non-symbolic processes, revealed a limit to the notion of "listening", in its meaning related to words and representation. At this point, a vast field of work was identified, considering that the primitive psychic field also demands clinical recognition.
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