A indispensabilidade da prudência para a completude do sistema ético kantiano à luz de uma interpretação agencial de sua concepção de felicidade
Resumo
Resumo: A presente dissertação apresenta uma interpretação alternativa para o conceito de prudência na qual essa faculdade assume uma posição de destaque no âmbito ético da antropologia moral kantiana. Tal reperspectivação, porém, pode ser sustentada apenas mediante o esclarecimento do que está sob o domínio de atuação da reflexão pragmática o que, por sua vez, demanda uma análise detida sobre a concepção kantiana de felicidade. Razão pela qual, a reflexão se inicia, no primeiro capítulo, a partir da análise das duas formas pelas quais Kant caracteriza esse conceito. Faz-se a análise da caracterização em termos de contentamento, por meio da qual se esclarece que bem-estar é indissociável de prazer, mas propõe-se uma interpretação alternativa do que seja tal hedonismo a partir de uma concepção prática, não patológica, desse prazer. A conclusão da argumentação em defesa dessa leitura conduz, então, à natural harmonização e identificação entre as duas caracterizações comumente apresentadas como incompatíveis. Uma vez que uma remete à outra, procede-se ao exame e esclarecimento das nuances da caracterização em termos de apetições, por meio do que se evidencia: 1. haver uma concepção irrefletida de felicidade que todos inevitavelmente têm, mas também uma demanda normativa por qualificá-la; 2. que o conceito de felicidade se refere, em última instância, a fins; e 3. que se trata de um fim de segunda ordem plenamente inclusivo. A partir dessas conclusões, no segundo capítulo, procede-se à análise da concepção kantiana de prudência, a começar pela clarificação das duas acepções que lhe são atribuídas: prudência privada e prudência nas relações com o mundo. Deslinda-se, ademais, suas relações com as faculdades cognitivas superiores e o princípio do Imperativo Hipotético, a fim de esclarecer a que a prudência se refere. Salienta-se, então, que tendo em vista a caracterização de felicidade proposta, tudo que é adotado como fim pelo agente é objeto da prudência, inclusive os fins morais, de modo que essa capacidade atua na articulação entre racionalidade moral e instrumental, visando promover a realização das prescrições da razão pura prática no mundo sensível. Defende-se, então, que a prudência também atua na formação da concepção particular que um agente faz da sua felicidade, consequentemente, que não se limita à reflexão quanto aos meios, uma vez que opera na própria constituição desse fim. Procede-se, na sequência, à reflexão quanto ao âmbito de atuação da prudência e argumenta-se que, enquanto faculdade dos meios para fins, trata-se de uma manifestação da racionalidade teórica, mas que, enquanto faculdade de determinação de fins, é uma manifestação da racionalidade prática. Por fim, enfatiza-se que há uma relação entre prudência e faculdade de julgar, por meio da qual se esclarecem diferentes modos de atuação dessa capacidade em seu papel de mediação entre as leis da liberdade e as leis da natureza. Abstract: This dissertation presents an alternative interpretation of the concept of prudence in which this faculty assumes a prominent position in the ethical sphere of Kantian moral anthropology. Such change in perspective, however, can only be sustained by clarifying what falls within the domain of pragmatic reflection which, in turn, requires a detailed analysis of the Kantian conception of happiness. This is why, in the first chapter, the reflection begins with an analysis of the two ways in which Kant characterizes this concept. We analyze the characterization in terms of contentment, through which it is clarified that well-being and pleasure are inextricably linked, but we propose an alternative interpretation of what such hedonism is, based on a practical, not pathological, conception of pleasure. The conclusion of the argument in defense of this reading then leads to the natural harmonization and identification between the two characterizations commonly presented as incompatible. Since one refers to the other, we proceed to examine and clarify the nuances of the characterization in terms of desires, through which it becomes evident: 1. that there is an unreflective conception of happiness that everyone inevitably has, but also a normative demand to qualify it; 2. that the concept of happiness ultimately refers to ends; and 3. that it is a fully inclusive second-order end. Based on these conclusions, in the second chapter, we analyze the Kantian conception of prudence, starting by clarifying the two meanings attributed to it: private prudence and worldly prudence. Furthermore, we explain its relation to the higher cognitive faculties and to the principle of the Hypothetical Imperative, in order to clarify what prudence refers to. We then emphasize that, in view of the proposed characterization of happiness, everything that is adopted as an end by the agent is the object of prudence, including moral ends, so that this capacity acts in the articulation between moral and instrumental rationality, aiming to promote the realization of the prescriptions of pure practical reason in the sensible world. We argue, then, that prudence also acts in the formation of the particular conception that an agent makes of his own happiness, consequently, that it is not limited to reflection regarding the means, since it operates in the very constitution of this end. We then proceed to reflect on the scope of prudence, arguing that, as a faculty of means to ends, it is a manifestation of theoretical rationality, but that, as a faculty of determining ends, it is a manifestation of practical rationality. Finally, we emphasize that there is a relationship between prudence and the faculty of judgment, through which we clarify different modes of action of this capacity in its mediating role between the laws of freedom and the laws of nature.
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