Fatores associados às consequências clínicas da cárie dentária não tratada e à dor dentária em crianças residentes em áreas remostas no sul do Brasil

Abstract

Resumo: Populações residentes em áreas de isolamento geográfico podem apresentar elevados índices de cárie dentária devido às limitações de acesso aos serviços odontológicos e limitação na aquisição de bens de consumo relacionados à higiene bucal dificuldade em obter informações relacionadas à saúde e ausência do consumo de água tratada. As longas distâncias a percorrer tornam-se obstáculos para ações preventivas e resultam numa busca tardia pelos atendimentos odontológicos, resultando em lesões de cárie não tratada e sua principal consequência clínica, a dor dentária. O objetivo dessa pesquisa foi avaliar os fatores associados às consequências clínicas da cárie dentária não tratada e à dor dentária em crianças residentes em áreas remotas no sul do Brasil. Foi realizado um estudo transversal censitário com crianças (3 a 10 anos de idade) da rede pública de ensino do município de Guaraqueçaba/PR. Dados sociodemográficos, avaliação da percepção parental de saúde bucal infantil e avaliação do consumo de alimentos cariogênicos e saudáveis foram obtidos por meio de questionário aplicado aos pais/responsáveis. A associação entre as características socioeconômicas, demográficas e percepção parental de saúde bucal em relação ao local de residência foram analisadas através de teste qui-quadrado. Análises univariadas de Poisson com variância robusta foram realizadas para verificar as associações entre o relato parental de dor infantil e a presença de consequências clínicas de cárie não tratada (Índice pufa/PUFA) com as demais covariáveis. As variáveis com p < 0,20 nas análises univariadas e que apresentavam plausabilidade social ou clínica foram selecionadas para a construção de dois Modelos Múltiplos de Regressão de Poisson com variância robusta, para relato parental de dor infantil e a presença de consequências clínicas de cárie não tratada (Índice pufa ou PUFA = 1), sendo mantidas no modelo final aquelas que permitiram melhor ajuste do mesmo e que se mantiveram significantes (p < 0,05). O nível de significância adotado para todas as análise foi de 5%. Questionários foram encaminhados para todas as crianças da rede municipal de ensino de Guaraqueçaba na faixa etária de 3 a 10 anos de idade (718 crianças). Ao todo retornaram 352 questionários preenchidos que possibilitaram, na sequência, o exame clínico de 296 crianças. A maior parte delas já haviam tido dor de dente (55,5%) e 29,5% nunca foram ao dentista. As consequências clínicas da cárie não tratada (PUFA/pufa) nas crianças teve associação com a menor escolaridade dos pais (RPa= 1,352; IC95%= 1,040-1,757), maior prevalência de presença de placa visível em dente antero superior (IPV) (RPa= 1,445; IC95%= 1,036-2,016) e a maior prevalência de consumo no dia anterior de biscoito recheado, doces ou guloseimas (RPa= 1,405; IC95%= 1,020-1,937). Além disso, as que viviam em comunidades sem estrutura odontológica rural ou insular apresentaram, respectivamente, uma prevalência de PUFA/pufa 2,651(IC95%= 1,605-4,378) e 2,47 (IC95%= 1,514-4,028) vezes maior que aquelas que viviam em localidades com estrutura odontológica. A prevalência de dor dentária foi 56,4% e 44,1% maior nas comunidades insulares sem estrutura (IC95%= 1,136-2,154) e rurais sem estrutura (IC95%= 1,078- 1,926), respectivamente, do que nas com estrutura odontológica. Crianças acima dos 06 anos de idade apresentaram uma prevalência maior de dor dentária quando comparadas com crianças menores de 5 anos (RPa= 1,796; IC95%= 1,199-2,689). Aquelas que tiveram consumo no dia anterior de biscoito recheado, doces ou guloseimas também apresentaram maior prevalência de dor dentária (RPa= 1,451; IC95%= 1,107-1,900). Pode- se concluir que o local de residência esteve associado a dor e às consequências clínicas da cárie dentária não tratada em crianças, sendo que aquelas que residiam em comunidades com maior isolamento geográfico e sem estrutura física e pública de atendimento odontológico apresentaram uma maior prevalência de dor e consequências clínicas da cárie dentária não tratada, mesmo após o ajuste por fatores dietéticos (marcadores de consumo alimentar) e de higiene bucal (IPV). A identificação desses aspectos pode servir de embasamento para implementação de políticas públicas que tenham objetivo de melhorar as condições de saúde bucal e a qualidade de vida principalmente, das crianças residentes em áreas de isolamento geográfico

Abstract: Populations residing in areas of geographic isolation may have high rates of dental caries due to limited access to dental services and limited acquisition of consumer goods related to oral hygiene, difficulty in obtaining information related to health and lack of consumption of treated water. The long distances to be covered become obstacles for preventive actions and result in a late search for dental care, resulting in untreated caries and its main clinical consequence, dental pain. The objective of this research was to evaluate the factors associated with the clinical consequences of untreated dental caries and dental pain in children in a remote areas in southern Brazil. A cross-sectional census study was carried out with children (3 to 10 years old) in the municipality of Guaraqueçaba/PR. Sociodemographic data, assessment of parental perception of child oral health and assessment of consumption of cariogenic and healthy foods were obtained through a questionnaire applied to parents/guardians. The association between socioeconomic and demographic characteristics and parental perception of oral health in relation to place of residence were analyzed using the chi-square test. Univariate Poisson analyzes with robust variance were performed to verify the associations between parental report of childhood pain and the presence of clinical consequences of untreated caries (pufa/PUFA index) with the other covariates. The variables with p < 0.20 in the univariate analyzes and which presented social or clinical plausibility were selected for the construction of two Multiple Poisson Regression Models with robust variance, for parental report of childhood pain and the presence of clinical consequences of non- treated (PUFA index or PUFA = 1), with those that allowed better adjustment and that remained significant (p < 0.05) being kept in the final model. The significance level adopted for all analyzes was 5%. Questionnaires were sent to all children in the Guaraqueçaba municipal education network aged 3 to 10 years old (718 children). In total, 352 completed questionnaires were returned, which subsequently enabled the clinical examination of 296 children. Most of them had already had a toothache (55.5%) and 29.5% had never been to the dentist. The clinical consequences of untreated caries (PUFA/pufa) in children were associated with lower parental education (RPa= 1.352; 95%CI= 1.040-1.757), higher prevalence of visible plaque in the upper anterior tooth (IPV) ( RPa= 1.445; 95%CI= 1.036-2.016) and the highest prevalence of consumption of stuffed biscuits, sweets or sweets on the previous day (RPa= 1.405; 95%CI= 1.020-1.937). Furthermore, those who lived in communities without rural or island dental facilities presented, respectively, a prevalence of PUFA/pufa 2.651 (95%CI= 1.605-4.378) and 2.47 (95%CI= 1.514-4.028) times higher than those who they lived in locations with dental facilities. The prevalence of dental pain was 56.4% and 44.1% higher in island communities without structure (95%CI= 1.136-2.154) and rural communities without structure (95%CI= 1.078-1.926), respectively, than in those with dental structure. Children over 6 years of age had a higher prevalence of dental pain when compared to children under 5 years of age (RPa= 1.796; 95%CI= 1.199-2.689). Those who consumed stuffed biscuits, sweets or sweets the previous day also had a higher prevalence of dental pain (RPa= 1.451; 95%CI= 1.107-1.900). It can be concluded that the place of residence was associated with pain and the clinical consequences of untreated dental caries in children, with those who lived in communities with greater geographic isolation and without physical and public dental care facilities having a higher prevalence of pain and clinical consequences of untreated dental caries, even after adjustment for dietary factors (markers of food consumption) and oral hygiene (IPV). The identification of these aspects can serve as a basis for implementing public policies that aim to improve oral health conditions and quality of life, especially for children living in geographically isolated areas