O mau selvagem : antropofagia oswaldiana e pensamento Tupinambá
Resumo
Resumo: Em O mau selvagem: antropofagia oswaldiana e o pensamento Tupinambá, empreende-se uma análise da obra filosófica de Oswald de Andrade, tendo como base os textos, Crise da filosofia messiânica (tese apresentada ao concurso de Prof. Dr. da USP, no ano de 1950), e o artigo "o antropófago", escrito pouco depois e hoje presente na coletânea de ensaios Estética e Política (1992). Neles o autor expõe a sua "filosofia da devoração" como "única lei do mundo" (1928), já que "a vida na Terra produzida pela desagregação do sistema solar só teria um sentido - a devoração" (ANDRADE, 1992, p. 28). Observa-se que na hermenêutica proposta pelo autor, a antropofagia opera como conceito nuclear, em contraposição a tradição do Ocidente messiânico e patriarcal. Esta oposição estruturaria a dialética que percorre todo o pensamento oswaldiano. De um lado, a cultura antropofágica, cujo horizonte existencial é a imanência do perigo, a propriedade coletiva da terra, o matriarcado e a economia do Ser. Do outro lado uma cultura messiânica, onde se teria a transcendência do perigo, cuja dinâmica existencial instaura a figura de Deus ou o Estado, para assegurar o direito do pater familias à propriedade privada e à herança. Nesta leitura, o poder do pater familias seria o núcleo ontoteológico do direito positivo e do sacerdócio, pensado este último como o braço espiritual do sistema patriarcal, operando o que seria uma apropriação (indébita) do "sentimento órfico". É neste sentido que Oswald de Andrade empreende uma busca pelo núcleo originário da instauração deste poder do pater familias através da análise da tese do matriarcado de Bachofen (1987), que por sua vez nos remete a trilogia das Oréstias, de Ésquilo ([458 a.C] 1988), cujo tema central seria a virada do direito matriarcal enquanto fundamento da vida coletiva, para o direito patriarcal. Bachofen coloca que este impulso inaugural que o patriarcado recebe da Grécia encontrou sua consolidação final com a fórmula do direito romano "pater est quaem nuptiae daemonstrant". Em seguida, a teoria de Oswald nos leva a análise do texto de Totem e tabu, de Freud ([1936] 1950), onde o filósofo também acredita encontrar algumas das raízes do patriarcado e do messianismo. Enquanto estratégia de desnaturalizar esta tradição histórica, o autor lança a figura do antropófago e o conceito de antropofagia, tendo como base os relatos (sobretudo franceses), sobre os nativos ameríndios que ocupavam a Costa do Brasil. Nesta linha de análise, sentimos a necessidade de, em um segundo momento, buscar dar conta da Antropofagia também enquanto prática (práxis) destes coletivos humanos - os Tupinambás ou Tupis da Costa. E assim nos debruçamos sobre relatos e crônicas, teses antropológicas e etnografias. Ao se abrir para este diálogo, a investigação encontrou fortes convergências entre a Antropofagia como proposta por Oswald de Andrade, e conceitos como "sociedade contra o Estado" (CLASTRES, 1978), "autodeterminação ontológica" e "imanência do inimigo" (VIVEIROS DE CASTRO, 2002-2010), "ambivalência" etc. A investigação do alcance e pertinência desta tensa e equívoca convergência ocupa toda a segunda parte desta dissertação até a conclusão de que a Antropofagia, tanto literal (etnográfica e antropológica), quanto literária (estética e filosófica) deve ser entendida como impulso ontológico de predação da diferença com vistas à transformação. Antropofagia então, como fórmula de uma disposição de, na relação com o outro, alterar-se; não apenas reconhecer a diferença, como de exercê-la. Palavras - Chave: Filosofia, Antropofagia, Pensamento Ameríndio. Abstract: In 'The bad savage: Oswald's anthropophagy and the Tupinambá thinking', an analysis of the philosophical work of Oswald de Andrade is undertaken, based on the texts, Crisis of Messianic Philosophy (thesis presented to the Prof. Dr. contest of USP, in the year 1950), and the article "the anthropophagus", which was written right after and today is present in the collection os essays Aesthetics and Politics (1992). On them, the author exposes his "devouring philosophy" as the "single law of the world"(1928), since "life on Earth produced by the dissolution os Solar Sistem would only have one meaning - the devouring"(ANDRADE, 1992, p. 28). Inside the Hermeneutics proposed by the author, it is observed that the anthropophagy operates as a nuclear concept, in contraposition as the tradition of the Messianic patriarcal West. This opposition would structure the dialectic that goes through the entire thinking of Oswald. On one side, the anthropofagic culture, whose existencial horizon is the immanence of danger, the collective property of the earth, the matriarchy and the economy of the Being. On the other side there is a Messianic culture where there would exist the transcendency of the danger, whose existencial dinamics installs the figure of God or the State, to assure th right of pater familias to private property and to heritage. In this reading, the power of the pater familias would be the onto-theological core of positive right and of priesthood, this last being thought as the siritual arm from the patriarchal sistem, operating what would be a misappropriation of the "orphic sentiment". It is in this sense that Oswald de Andrade engages a search for the original nucleus of the establishment of the pater familias' power through the analysis of Bachofen's (1987) matriarchy thesis, which, on the other hand, refers to the Orestias' trilogy, from Esquilo ([458 a.C] 1988), whose main theme would be the turnaround of matriarchal right as foundation of collective live, to the patriarchal right. Bachofen argues that this inaugural impulse that the patriarchy receives from Greece has found its final consolidation with the Roman law formula "pater est quaem nuptiae daemonstrant." Next, Oswald's theory leads us to the analysis of Freud's text Totem and Tabu ([1936] 1950), in which the philosopher also believes he's found some of the roots of patriarchy and messianism. As a strategy to denaturalize this historical tradition, the author launches the figure of the anthropophagus and the concept of anthropophagy, based on reports (mainly from French) about the native Amerindians who occupied the Coast of Brazil. In this line of analysis, we felt the need to, in a second moment, seek for Anthropophagy also as a practice (praxis) of these human collectives - the Tupinambás or Tupis da Costa. And so we focus on reports and chronicles, anthropological and ethnographic theses. In opening up to this dialogue, the research found strong convergences between Anthropophagy as proposed by Oswald de Andrade, and other concepts such as "society against the state" (CLASTRES, 1978), "ontological self-determination" and "immanence of the enemy" (VIVEIROS DE CASTRO, 2002-2010), "ambivalence", etc. The investigation of the scope and pertinence of this tense and equivocal convergence occupies the whole second part of this dissertation until the conclusion that Anthropophagy, both literal (ethnographic and anthropological), and literary (aesthetic and philosophical) must be understood as an ontological impulse of predation of the difference with a concearning view to transformation. Anthropophagy would then change in relation with the other, s a formula of an disposition, not just to recognize the difference, but also to exert it. Keywords: Philosophy, Anthropophagy, Amerindian thought.
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