O comportamento relacional nos processos regionalizadores cotidianos : um estudo comparativo entre os quilombolas de São João e Santa Cruz - PR
Resumo
Resumo: O fluxo contínuo de desfazer e estabelecer relações, práticas e interações sociais distintas e diferenciadas observado na vivência dos sujeitos quilombolas de Santa Cruz (Ponta Grossa-PR) e São João (Adrianópolis-PR) com outros sujeitos sociais, quilombolas e não-quilombolas, faz acreditar que estes se transfiguram em suas "regionalizações cotidianas" (WERLEN, 2000). Diante disso, o objetivo desta tese é comparar os quadros da experiência cotidiana de interação social dos quilombolas das comunidades paranaenses de São João e Santa Cruz, revelando suas articulações espaciais. Compara-se pela "diferenciação espacial" (HAESBAERT, 2010a), destacando a articulação e desarticulação do espaço constantemente regionalizado pela ação destes sujeitos dentro e fora das comunidades. A metodologia da prática de campo é compartilhada entre pesquisador e sujeitos sociais pesquisados por meio da "observação-participante" (GOFFMAN, 2010) nos principais eventos de interação social. O primeiro escolhe entre as melhores formas de representar estas manifestações e os segundos, expressam suas vivências e lutas pela autonomia dos seus espaços de vida. A "região" para os sujeitos quilombolas de São João e Santa Cruz efetiva-se nas articulações, distintas e mutáveis, como estratégias de resistência e autonomia. Na batalha pela menor desigualdade em relação ao poder instituído fortalecem os laços religiosos, afetivos (casamento e namoro), trabalhistas, amistosos, compadresco, apadrinhamento e vizinhança. Para manter a autonomia de seus espaços de vida (estrategicamente abertos) estabelecem residências urbanas e rurais, liderança extracomunidade, adesão a religiões simultâneas e espaços de sociabilidade externos. Com isso redirecionam os fluxos de suas redes sociais sobre um espaço que de forma alguma é limitado a uma área, mas por vezes articula-se entre espaços próximos/distantes e contínuos/descontínuos. Os fluxos fazem com que Santa Cruz, tenha uma rede de interação sustentada por uma trama densa com os vizinhos, criando com o terreiro urbano de Candomblé e Umbanda, um fluxo urbano-rural (para as festas e ocasiões sociais) com uma horizontalidade fundamentada em táticas para permanecer, sobretudo pelo casamento e apadrinhamento/compadresco. Em São João, o fluxo é rural-urbano acessando uma rede de consanguinidade em outras cidades paulistas, manifestando uma trama mais extensa, porém mais descontínua. O consequente salto de escalas se justifica pela estratégia de promoção do deslocamento diante de uma vizinhança divergente e instável (fazendeiros, sitiantes, assentados e palmiteiros). Adota-se uma perspectiva da diferenciação espacial escalar (SMITH, 2000) para sustentar a tese de que o diferente não é uma imediata singularidade (baseada em tradição e resistência ao exterior) da vivência e experiência dos sujeitos quilombolas, mas uma complexa trama (BOTH, 1976), em que a(s) rede(s) social(is) aparecem em escalas fluídas de resistência e adequação (vizinhança divergente/disputa territorial e/ou a homogeneidade de laços) dotada tanto de relativa coesão interna quanto de parcelas de alguma forma desarticuladas. Abstract: The continuous flow of establishing and undoing relations, practices and social interactions and the distinctions and differentiations that can be observed in modes of living-together by quilombola actors (a Brazilian denomination for maroons) with other social actors - they may be quilombolas or not - have been observed in the Santa Cruz (Ponta Grossa, PR) and São João (Adrianópolis, PR) communities leading to the assumption that these actors are constantly transforming their everyday regionalizations (WERLEN, 2000). From this background, this doctoral thesis compares as research subject the frameworks of everyday experiences of social interaction of quilombolas in two Paraná communities to understand their spatial articulations. Its focus is a comparative approach of "spatial differentiation" (HAESBAERT, 2010a) that highlights the articulation and disarticulation of a constantly regionalized space by the agency of actors inside and outside of the community. In methodological terms, the fieldwork has been shared between researcher and social actors through "participant observation" (GOFFMANN, 2010) during decisive events of social interaction. While here the researcher selects his most adequate forms of representing manifestations, the research partners are expressing their life modes and struggles for the autonomy of their lived spaces. Thus, the quilombola "region" turns effective for the social actors of São João and Santa Cruz through distinct and modifiable articulations based on strategies of resistance and autonomy. Fighting for less inequality confronted with institutionalized power means strengthening relations of religion, affect (marriage and love), friendship, compadrio, sponsorship and neighborhood. Hereby, quilombolas are establishing urban and rural residences, extra-communitarian leadership, adhere simultaneously to different religions and associate with external spaces of sociability to sustain their lived spaces (that are strategically open). In consequence, they redirect their flows of social networks into a space, which is not at all limited to a certain area, but articulated between nearness and distance, continuity and discontinuity. In Santa Cruz, such flows induce a dense fabric with neighbors, through marriage and sponsorship/compadrio, and especially on festivities and social events, but they also create a rural-urban flow through an urban terreiro of Candomblé and Umbanda to develop a tactics to stay in their area. In São João, the rural-urban flow gives access to a network of family relations in other towns of the State of São Paulo, revealing a larger extension of the social fabric, which, however, is more discontinuous. The consequent fragmentation of scales results in the promotion of movements, as its immediate environment is faced with divergent and unstable neighborhoods (large scale landowners, family farmers, resettled farmers and palmtree collectors). Therefore, a perspective of spatial and scalar differentiation can be developed (SMITH 2000) that does not refer to a simple singularity (through tradition or resistance to the outside) in the actual experience of the quilombola actors, but to a complex fabric (BOTH, 1976) where social networks represent a fluid scale of resistance (resulting in diverging neighbourhoods, territorial disputes and/or the homogeneity of social bonds) that both indicate a relative internal cohesion and some forms of disarticulated fragments.
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- Teses [127]