Comportamentos de risco para toxoplasmose gestacional : prevalência e fatores associados

Abstract

Resumo: A toxoplasmose, zoonose causada pelo protozoário Toxoplasma gondii, apresenta alta prevalência global. Os felídeos atuam como hospedeiros definitivos, enquanto todos os animais de sangue quente, incluindo o ser humano, são hospedeiros intermediários. A infecção durante a gestação pode comprometer a saúde fetal, resultando em aborto, malformações e sequelas neurológicas. A principal via de transmissão é hídrica e alimentar, sendo mais frequente em contextos de vulnerabilidade social. No município de Piraquara, Paraná, entre 2019 e 2023, foram registrados 78 casos de toxoplasmose gestacional, dos quais 22 resultaram em transmissão congênita — uma incidência de 104,2 e 29,4 casos por 10.000 gestantes, respectivamente, valores bem acima da média nacional (33,0 e 9,1). Em 2023, o bairro Guarituba concentrou 66,7% dos casos. Este estudo teve como objetivo identificar fatores associados à infecção por T. gondii entre gestantes da região periurbana de Piraquara e propor medidas de intervenção sob a perspectiva da abordagem Uma Só Saúde. Trata-se de estudo descritivo, transversal e quantitativo, realizado entre março e setembro de 2024, com gestantes atendidas em quatro Unidades Básicas de Saúde do bairro Guarituba. Foi aplicado questionário abordando aspectos sociodemográficos, hábitos alimentares, convívio com gatos e histórico obstétrico, incluindo sorologia para IgG e IgM anti-T. gondii. A análise estatística incluiu testes de associação e regressão logística múltipla. Das 240 gestantes participantes, 104 (43,3%) apresentaram IgG reagente. Destas, 4 apresentaram IgM e IgG positivos, porém com alta avidez, sugerindo infecção anterior à gestação. A análise bivariada revelou associações estatisticamente significativas entre soropositividade e faixa etária de 25 a 29 anos, cor preta, consumo de produtos de origem animal de fontes informais (salame, carnes bovina, suína, frango e peixe), convivência recente com gatos e multiparidade (quatro ou mais gestações). Por outro lado, renda entre 2 e 3 salários-mínimos, ausência de consumo de peixe e alimentação em casa de familiares/amigos foram identificadas como fatores protetores. A análise multivariada confirmou associação entre soropositividade e idade de 25 a 29 e 35 a 39 anos, cor preta e parda, ausência de tratamento da água, alimentação de gatos com sobras de comida e consumo de salame e peixe de procedência alternativa. Os resultados evidenciam que fatores sociodemográficos, comportamentais e ambientais influenciam o risco de toxoplasmose em gestantes da região. A partir dos achados, foram propostas ações intersetoriais envolvendo vigilância sanitária e ambiental, orientação a produtores e horticultores, fortalecimento da atenção primária, capacitação profissional, educação em saúde e estratégias de controle populacional e guarda responsável de felinos. Tais medidas, alinhadas ao paradigma da Uma Só Saúde, são essenciais para reduzir a transmissão congênita e promover a saúde materno-infantil em territórios vulneráveis

Abstract: Toxoplasmosis, a zoonosis caused by the protozoan Toxoplasma gondii, has a high global prevalence. Felids are the definitive hosts, while all warm-blooded animals, including humans, serve as intermediate hosts. Infection during pregnancy can compromise fetal health, resulting in miscarriage, congenital malformations, and neurological sequelae. The main transmission routes are waterborne and foodborne, particularly relevant in settings of social vulnerability. In the municipality of Piraquara, Paraná (Brazil), 78 cases of gestational toxoplasmosis were recorded between 2019 and 2023, with 22 cases resulting in congenital transmission — incidence rates of 104.2 and 29.4 per 10,000 pregnant women, respectively, significantly higher than national averages (33.0 and 9.1). In 2023, the Guarituba neighborhood accounted for 66.7% of cases. This study aimed to identify factors associated with T. gondii infection among pregnant women in peri-urban Piraquara and to propose intervention strategies under the One Health framework. This was a descriptive, cross-sectional, and quantitative study conducted between March and September 2024 with pregnant women attending four Primary Health Care Units in Guarituba. A questionnaire was applied covering sociodemographic aspects, dietary habits, contact with cats, and obstetric history, including IgG and IgM serology for T. gondii. Statistical analysis included association tests and multiple logistic regression. Among the 240 participants, 104 (43.3%) tested positive for IgG. Of these, 4 were also IgM positive, but with high avidity, indicating infection prior to pregnancy. Bivariate analysis showed statistically significant associations between seropositivity and age 25–29, Black race, consumption of animal products from informal sources (salami, beef, pork, poultry, and fish), recent contact with cats, and multiparity (four or more pregnancies). Conversely, a monthly income of two to three minimum wages, not consuming fish, and eating meals at relatives’ or friends’ homes were protective factors. Multivariate analysis confirmed associations between seropositivity and age groups 25–29 and 35–39, Black and mixed-race (Pardo) skin color, absence of water treatment, feeding cats with food leftovers, and consumption of salami and fish from non-commercial sources. The findings indicate that sociodemographic, behavioral, and environmental factors influence the risk of toxoplasmosis among pregnant women in the region. Based on the results, intersectoral actions were proposed, including food and environmental surveillance, guidance for local producers and horticulturists, strengthening of primary care, professional training, health education, and feline population control and responsible pet ownership. These measures, aligned with the One Health approach, are essential to reduce congenital transmission and improve maternal and child health in vulnerable territories