Leolinda Daltro sob diferentes olhares : heroína, vilã ou esquecida? : narrativas em disputa (Brasil, 1887-1935)
Resumo
Resumo: Leolinda de Figueiredo Daltro viveu no Rio de Janeiro entre 1887 e 1935, tendo sua memória recuperada pelos movimentos sociais e também pela Academia Brasileira a partir dos anos 80. A fortuna crítica da atuação de Daltro é multidisciplinar e pode ser dividida em quatro grupos: 1) textos de intenção biográfica; 2) textos que abordam a atuação pedagógica; 3) abordagens para com o pensamento feminista; 4) textos que olham para a atuação indigenista. Essas fragmentações no trato da trajetória de Leolinda acaba limitando a análise, tanto dentro quanto fora da Academia, pois não se permite abordar as quatro esferas de sua vida como simultâneas e interdependentes. A condição de ser mulher (cis gênero), que foi foco determinante para a escrita, acaba impedindo que a sua prática política seja confrontada e assim a historiografia tendeu a minimizar o fato de que o projeto político exercido pela feminista e indigenista baiana reproduzia e reforçava violências coloniais para com outros grupos, principalmente os indígenas. Foi dessa forma que a historiografia minimizou os posicionamentos controversos em poucas linhas, chegando, por vezes, a omitir informações, como o fato de Leolinda ter mantido um escravo familiar mesmo duas décadas após a abolição, e de seu projeto indigenista de catequização leiga ser mais uma ferramenta branca de assimilação, que objetivava ‘civilizar’ indígenas com fins exterminatórios. Não se trata de um julgamento ‘moralizante’ de Daltro, mas de compreender como as questões indígenas e feministas foram por ela mobilizadas com o objetivo de alcançar espaços políticos e como a historiografia, ao se basear em suas memórias, reproduziu tais posicionamentos. Para mediar essas controvérsias sem apagar os méritos de Daltro como mulher em uma sociedade patriarcal, adotamos uma perspectiva interseccional que visa renovar a História das Mulheres, indo além de determinismos biológicos e evitando endossar, mesmo que indiretamente, as violências que tornaram necessário o surgimento desse campo de estudo. Assim, para além das biografias individualizantes, olhamos para a atuação política de Daltro como componente de uma estrutura produzida pelo Estado. É neste sentido que, no presente texto, a atuação de Leolinda em múltiplas esferas é entendida como uma única atuação política guiada por um projeto de poder, onde objetivamos compreender o ponto de encontro entre indigenismo e feminismo, delineada aqui pelo conceito de maternalismo Abstract: Leolinda de Figueiredo Daltro resided in Rio de Janeiro between 1887 and 1935, and by the 1980s, her legacy began to be revisited within social movements and Brazilian academic circles. The critical reception of Daltro’s life is multidisciplinary and can be categorised into four main groups, each with potential subdivisions: 1) biographical accounts; 2) analyses of her educational endeavours; 3) examinations of her feminist thought; and 4) studies of her work with Indigenous communities. These fragmented approaches to Leolinda’s trajectory have resulted in similarly fragmented analyses, both within and outside academia, limiting a comprehensive understanding of her life. This compartmentalisation prevents scholars from perceiving these four dimensions as interconnected, simultaneous, and interdependent aspects of her work. The condition of being a cisgender woman appears to dominate the discourse surrounding Daltro, often overshadowing other critical aspects of her legacy. Issues such as her role in colonial violence against minorities—particularly Indigenous peoples and women—are frequently marginalised or entirely omitted. For instance, historiography has largely overlooked the fact that, two decades after the abolition of slavery, Daltro still retained a familial slave. Similarly, her project of ‘lay catechisation’ served as a tool to assimilate Indigenous peoples into Eurocentric norms. This is not an attempt to pass moral judgement on Daltro, but rather an effort to understand how both the Indigenous and feminist causes were instrumentalised to advance her political objectives. Indeed, historiography has often treated Leolinda’s memory as a source, perpetuating and legitimising certain narratives while neglecting others. To navigate these controversies without disregarding Daltro’s achievements as a woman in a patriarchal society, this study employs an intersectional lens. This approach advocates for a renewal in Women’s History, moving beyond biological determinism and seeking a form of critique that does not perpetuate the very violences that necessitated the creation of such a field. Rather than focusing on individual biography, this work situates Daltro’s trajectory within broader structural frameworks orchestrated by the State to erase the identities of minority groups. In this context, all of Leolinda’s struggles are interpreted as political struggles, wherein both Indigenous and women’s rights were leveraged to advance a specific political agenda—a concept we term maternalism
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