Resumo: Historicamente, as mulheres foram compreendidas como naturalmente inclinadas à loucura, com locus privilegiado em sua fisiologia, sexualidade e comportamento social dentro das normas de gênero esperadas. Atualmente, observa-se uma maior prevalência de transtornos mentais, como depressão e ansiedade, entre mulheres. Embora os campos da saúde coletiva e da psiquiatria tenham incorporado os determinantes sociais da saúde em suas análises, ainda há lacunas significativas na abordagem científica das condições sociais que influenciam o processo de saúde doença mental, persistindo uma tendência à biologização do sofrimento psíquico de mulheres. Ancorado na teoria da determinação social do processo saúde-doença, no feminismo marxista e na psicologia histórico-cultural, este trabalho tem como objetivo elucidar os processos que configuram a determinação social da saúde mental de um conjunto de mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em uma cidade da região metropolitana de Curitiba, Paraná. Para isso, busca desvelar os principais processos críticos, tanto destrutivos quanto protetivos, tanto do cotidiano atual quanto do passado, que dialeticamente condicionam ou condicionaram a manifestação do sofrimento psíquico, especialmente estados depressivos e ansiosos. A pesquisa foi realizada em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e adotou uma abordagem qualitativa, utilizando entrevistas semiestruturadas com sete mulheres da classe trabalhadora, pertencentes a estratos socioeconômicos de menor escolarização, profissionalização e acesso à renda. As entrevistas ocorreram entre março e julho de 2024. Conclui-se que eventos de vida marcados pelo pauperismo, pela violência de gênero, sexual, patrimonial e física, pela alienação do trabalho, por assédios e por eventos traumáticos, entre outras experiências resultantes da configuração social imposta pelo capitalismo tardio e periférico, são, via de regra, determinações dos transtornos depressivos e ansiosos em mulheres. Essa compreensão reorienta as possibilidades de cuidado nas práticas de saúde, visando superar análises fragmentadas e explicações individualizantes, biologizantes e tendentes à responsabilização e culpabilização das mulheres. É imperativa uma maior incorporação da luta política feminista classista na Saúde Coletiva e, em particular, na Política de Saúde Mental, articulando o "nó" gênero-raça/etnia-classe e outros marcadores sociais ao seu planejamento e execução, além do enfrentamento, por meio da intersetorialidade das políticas e da luta social geral, das condições que perpetuam as desigualdades e produzem socialmente o sofrimento psíquicoAbstract: Historically, women have been understood as naturally inclined to madness, with a privileged locus in their physiology, sexuality, and social behavior within expected gender norms. Currently, there is a higher prevalence of mental disorders, such as depression and anxiety, among women. Although the fields of public health and psychiatry have incorporated the social determinants of health into their analyses, significant gaps remain in the scientific approach to the social conditions that influence the mental health-disease process, with a persistent tendency to biologize women's psychological suffering. Anchored in the theory of the social determination of the health-disease process, Marxist feminism, and historical-cultural psychology, this study aims to elucidate the processes that shape the social determination of the mental health of a group of women treated by the Brazilian Unified Health System (SUS) in a city in the metropolitan region of Curitiba, Paraná. To this end, it seeks to unveil the main critical processes, both destructive and protective, in both their current daily lives and past experiences, which dialectically condition or have conditioned the manifestation of psychological suffering, especially depressive and anxious states. The research was conducted in a Psychosocial Care Center (CAPS) and adopted a qualitative approach, using semi-structured interviews with seven working-class women from socioeconomically disadvantaged backgrounds with lower levels of education, professionalization, and income access. The interviews took place between March and July 2024. It is concluded that life events marked by pauperism, gender, sexual, patrimonial, and physical violence, labor alienation, harassment, and traumatic events, among other experiences resulting from the social configuration imposed by late and peripheral capitalism, are, as a rule, determinants of depressive and anxious disorders in women. This understanding reorients the possibilities of care in health practices, aiming to overcome fragmented analyses and avoid individualizing, biologizing explanations and tendencies toward the blame and accountability of women. A greater incorporation of class-based feminist political struggle into Public Health and, in particular, into Mental Health Policy is imperative, articulating the "knot" of gender-race/ethnicity-class and other social markers in its planning and implementation, in addition to addressing, through intersectoral policies and broader social struggles, the conditions that perpetuate inequalities and socially produce psychological suffering