Mutirões da terra : ensaios de cosmopolíticas no mundo quase-árido
Resumo
Resumo: O objetivo desta tese é revisitar as formas de resistência criativa dos povos do semiárido brasileiro ao processo multissecular de colonização do sertão, de modo a evidenciar seu caráter de exemplos de reorganização cósmica e política num mundo em colapso. A colonização do semiárido brasileiro se deu na forma de uma grande frente de combate ao nomadismo da terra – à transumância indígena, à fuga dos escravizados e ao imperativo que o bioma impunha para o nomadismo (a decidualidade da vegetação, a migração de animais de caça, a sazonalidade dos cursos d'água...). Essa frente se materializou no que chamo de curralização, resumindo nisso os mecanismos concretos que vigem tanto nas sesmarias e propriedades, quanto na pecuária, quanto, ainda, na redução indígena e nas senzalas, até chegar aos fenômenos tardios do coronelismo, do "curral de votos", dos "campos de retirantes" e da "solução hidráulica", e que se caracterizam por um modo de desterritorialização que resulta em desterro. O encurralamento do sertão, forma política da colonização, produz uma desconexão entre terra e povos, que propiciou a consolidação das bases econômico-políticas vigentes desde então, a propriedade privada, o contingente de mão de obra e a monocultura extrativista, bases que desabaram periodicamente nas tragédias ecopolíticas das secas, produzidas pela própria dominação. Por sua vez, os povos e comunidades do semiárido, indígenas e desterrados, reinventaram seus modos de vida, por meio de revinculações territoriais, cujas formas se contrapunham ao modelo colonial e seus sucedâneos e em alianças com as variabilidades da terra, engendrando desterritorializações das máquinas da colonização. Assim surgiram as confederações indígenas e os quilombos e, recentemente, o grande movimento pela Convivência com o semiárido, fenômenos particularizados em sua relação interna, externa ou transitiva com as características terrestres do sertão e com os mecanismos de dominação. Diremos que os eventos de Canudos, no sertão baiano, e de Caldeirão, no sertão cearense, na passagem do século XIX para o XX, constituem um momento capsular destas resistências, e contestaremos sua categorização como messiânicos, para resgatar a força de reorganização social e cósmica que engendraram, por meio de uma escatologia terrestremente comprometida, que pode ser compreendida com a ajuda dos conceitos da cosmopolítica Abstract: This thesis aims to revisit the forms of creative resistance historically displayed by the peoples inhabiting the semi-arid region of Brazil known as "sertão" to a sui generis process of colonization, in order to show they can be viewed as examples of cosmic and political reorganization in a collapsing world. Along the centuries, the colonization of the sertão has taken the form of a major front against the nomadism of the land – i.e., against indigenous transhumance, the flight of enslaved people, and the intrinsic nature of the biome itself (a deciduous vegetation, migrating game animals, the seasonality of watercourses, etc.). This front materialized in what I will call "curralização" (corralling), a term meant to summarize the concrete mechanisms that were in force in "sesmarias" (land grants) and estates, as well as in cattle ranching, the indigenous reduction and the "senzalas" (slave quarters), up to the late phenomena of "colonelism", "voting corrals," "refugee (‘retirantes’) camps," and the "hydraulic solution," characterized by a mode of deterritorialization that results in exile. Corralling or enclosure of the sertão, the political face of its colonization, led to a disconnection between land and peoples, which helped consolidate the economic-political bases that have been in place ever since: private property, a large contingent of labor force, and extractive monoculture; all of which have periodically collapsed into the eco-political tragedies of the great droughts. However, the peoples and communities of the semi-arid region, both indigenous and exile, reinvented their ways of life by reconnecting to the land in ways that countered the colonial model and its surrogates, by establishing alliances with the variabilities of the land, thus engendering deterritorializations of the colonization machines instead. That’s how the indigenous uprisings and quilombos came about and, more recently, the major movement for Coexistence with the Semi-Arid. These phenomena are particularized in their internal, external, or transitive relations with the terrestrial characteristics of the sertão as well as the mechanisms of domination that were in place. We will also argue that the events of Canudos, in Bahia, and Caldeirão, in Ceará, that took place at the turn of the 19th to the 20th century, constitute a capsular moment in these resistances, and we will contest their categorization as messianic, so as to reclaim the significance of the social and cosmic reorganization they engendered, through an earthly committed eschatology, which can be understood with the help of cosmopolitical concepts
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