Investigação etnofarmacológica dos efeitos cardiorrenais de espécies medicinais dos Campos Gerais do Paraná
Resumo
Resumo: O uso de espécies vegetais com propósito medicinal é oriundo de conhecimento empírico e popular, tão antigo quanto a própria humanidade. Nesse sentido, a etnofarmacologia, estuda as substâncias utilizadas terapeuticamente por diferentes grupos étnicos ou culturais. Diante disso, é notório o crescente interesse em analisar os efeitos terapêuticos de diversas plantas para o tratamento de diferentes patologias, incluindo a hipertensão. A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é uma doença crônica, não transmissível e multifatorial. Embora a HAS seja uma condição correntemente assintomática, é um dos principais fatores de risco cardiovascular tratável e é o fator de risco evitável mais comum para doenças cardiovasculares (DCVs), principal causa de morte mundial. Apesar do tratamento da HAS ser bem estabelecido, existem diversos fatores que acarretam a baixa adesão ao tratamento. Assim, pacientes hipertensos procuram abordagens alternativas, como remédios à base de plantas, para o tratamento da HAS. Diante disso, o presente estudo teve como objetivo investigar através de uma prospecção etnofarmacológica os efeitos cardiorrenais de espécies medicinais dos Campos Gerais do Paraná, Brasil. Primeiramente, foram realizadas a coleta, identificação do material vegetal e depósito em herbário. Foram coletados os cladódios de B. milleflora e partes aéreas de C. benghalensis. Então, foi realizada a análise morfoanatômica e histoquímica das espécies. Após, foram preparadas infusões (100g/1000 mL de água filtrada) do material vegetal e posteriormente tratadas com etanol (3:1; v/v) para obtenção do sobrenadante etanólico do infuso (SEI). Dessa maneira, o SEI de B. milleflora (ESBM) e o SEI de C. benghalensis (ESCB) foi liofilizado para as análises do estudo. O ESBM e o ESCB foram caracterizados quimicamente e submetidos a avaliações toxicológicas (2000 mg/kg v.o) e farmacológicas (30, 100 e 300 mg/kg v.o) em relação ao potencial diurético e hipotensor em ratos Wistar. Após verificação dos efeitos das espécies de estudo, foi selecionada a espécie com melhor perfil cardiorrenal para avaliação prolongada (28 dias) em ratos espontaneamente hipertensos (SHR). A atividade vasodilatadora em leitos mesentéricos também foi avaliada. Além disso, foram avaliados os efeitos de um composto isolado da espécie com melhor atividade farmacológica. Os resultados dos estudos morfoanatômicos evidenciaram que os cladódios de B. milleflora possuem tricomas glandulares capitados bisseriados e tricomas glandulares flageliformes. Foram encontrados ductos secretores e cristais de oxalato de cálcio de vários formatos incluindo paralelepípedo quadrado, piramidal e estiloide. Em C. benghalensis foi verificada a presença de cristais do tipo estiloides, ráfides, piramidais e areia cristalina. Três diferentes tipos de tricomas foram evidenciados nas folhas e no caule de C. benghalensis, tricomas tectores simples multicelulares com ápice agudo, tricomas tectores multicelulares com célula apical em forma de gancho e tricomas tectores bicelulares simples. Foram encontrados 33 compostos em ESBM, incluindo ácido clorogênico, derivados fenólicos glicosilados, flavonas e flavonóis. O ESBM e o ESCB não causaram efeitos tóxicos em ratas Wistar. Assim, sugere-se que a dose letal mediana (DL50) de ESBM e ESCB é superior a 2000 mg/kg. O tratamento com ESBM na dose de 30 mg/kg foi capaz de induzir aumento significativo na eliminação urinária e na excreção urinária de sódio nos dias 1, 2, 3, 4 e 5, em comparação com o grupo controle, enquanto o ESBM na dose de 100 mg/kg foi capaz de aumentar a eliminação urinária e a excreção renal de sódio e cloreto durante todo o período experimental (7 dias). Esses efeitos parecem depender da ativação da via óxido nítrico-GMP cíclico. O ESBM (30 e 100 mg/kg) reduziu significativamente os níveis séricos de MDA e o ESBM na dose de 100 mg/kg elevou significativamente os níveis séricos de nitrotirosina e reduziu os níveis séricos de creatinina quando comparados com o grupo controle. O tratamento com ESCB (30 mg/kg) durante 7 dias, foi capaz de aumentar o volume urinário até o terceiro dia quando comparado ao grupo controle. Por outro lado, foi observada uma diminuição significativa no volume urinário (no dia 7) no grupo tratado com o ESCB na dose de 300 mg/kg. A atividade diurética induzida pelo ESCB pode estar relacionada na ativação/liberação de prostaglandinas renais. O ESCB na dose de 30 mg/kg foi capaz de reduzir significativamente os níveis séricos de MDA. De acordo com o perfil diurético das duas espécies, a B. milleflora apresentou melhores resultados e, portanto, foi a espécie escolhida para a avaliação do efeito cardioprotetor após o tratamento prolongado em ratos SHR. Assim, o tratamento com ESBM (30 mg/kg) foi capaz de induzir uma resposta diurética significativa desde a primeira administração (dia 1), resultando em um aumento no volume de urina e na excreção de cloreto e sódio em comparação aos animais do grupo controle. Os tratamentos com ESBM (em todas as doses) foram capazes de prevenir alterações da reatividade em leitos mesentéricos isolados e perfundidos, mantendo a reatividade vascular semelhante à observada no grupo naive. Além desses resultados, foi evidenciado que o flavonoide apigenina, presente em B. milleflora, apresentou efeitos vasodilatadores dependente do endotélio em artérias de resistência do leito vascular mesentérico em ratos. Essa vasodilatação depende da abertura dos canais de K+ nas células musculares lisas e da produção de óxido nítrico endotelial. Os resultados obtidos fornecem importantes dados que contribuem para a validação entnofarmacológica das espécies B. milleflora e C. benghalensis. Estudos clínicos serão imprescindíveis para fornecer dados de eficácia e segurança do ESBM e ESCB no tratamento de condições clínicas em que um efeito diurético é requerido. Abstract: The use of plant species for medicinal purposes originates from empirical and popular knowledge, as ancient as humanity itself. In this sense, ethnopharmacology studies the substances used therapeutically by different ethnic or cultural groups. Therefore, there is a growing interest in analyzing the therapeutic effects of various plants for the treatment of different pathologies, including hypertension. Systemic Arterial Hypertension (SAH) is a chronic, non-communicable, and multifactorial disease. Although SAH is often asymptomatic, it is one of the main treatable cardiovascular risk factors and is the most common preventable risk factor for cardiovascular diseases (CVDs), the leading cause of worldwide death. Despite the well-established treatment for SAH, there are various factors that lead to low adherence to treatment. Therefore, hypertensive patients seek alternative approaches, such as herbal remedies. Accordingly, this study aimed to investigate through an ethnopharmacological prospecting the cardiorenal effects of medicinal species from the Campos Gerais region of Paraná, Brazil. Initially, the plant material was collected, identified and deposited in a herbarium. The cladodes of B. milleflora and aerial parts of C. benghalensis were collected. Then, morphoanatomical and histochemical analyses of the species were performed. Subsequently, infusions (100g/1000 mL of filtered water) of the plant material were made and then treated with ethanol (3:1; v/v) to obtain the ethanol-soluble fraction (ESI). Thus, the ESI of B. milleflora (ESBM) and the ESI of C. benghalensis (ESCB) were lyophilized for the pharmacological studies. The ESBM and ESCB were chemically characterized and subjected to toxicological evaluations (2,000 mg/kg p.o.) and pharmacological evaluations (30, 100, and 300 mg/kg p.o.) regarding their diuretic and hypotensive potential in Wistar rats. After verifying the effects of the study species, the species with the best cardiorenal profile was selected for prolonged evaluation (28 days) in spontaneously hypertensive rats (SHR). The vasodilatory activity in mesenteric beds was also evaluated. In addition, the effects of an isolated compound from the species with the best pharmacological activity were assessed. The results of the morphoanatomical studies showed that the cladodes of B. milleflora have biseriate capitate glandular trichomes and flagelliform glandular trichomes. Were found secretory ducts and calcium oxalate crystals of various shapes including square parallelepiped, pyramidal and styloid. In C. benghalensis, was verified the presence of styloid, raphide, pyramidal and crystalline sand crystals. Three different types of trichomes were evidenced in the leaves and stem of C. benghalensis, multicellular simple trichomes with an acute apex, multicellular trichomes with a hooked apical cell and simple bicellular trichomes. 33 compounds were found in ESBM, including chlorogenic acid, glycosylated phenolic derivatives, flavones, and flavonols. ESBM and ESCB did not cause toxic effects in Wistar rats. Therefore, it is suggested that the median lethal dose (LD50) of ESBM and ESCB is higher than 2,000 mg/kg. The treatment with ESBM at a dose of 30 mg/kg was able to induce a significant increase in urinary elimination and urinary sodium excretion on days 1, 2, 3, 4, and 5 compared to the control group, while ESBM at a dose of 100 mg/kg was able to increase urinary elimination and renal excretion of sodium and chloride throughout the experimental period (7 days). These effects appear to depend on the activation of the nitric oxide-cyclic GMP pathway. ESBM (30 and 100 mg/kg) significantly reduced serum levels of MDA, and ESBM at a dose of 100 mg/kg significantly increased serum levels of nitrotyrosine and reduced serum levels of creatinine compared to the control group. The treatment with ESCB (30 mg/kg) for 7 days was able to increase urinary volume up to the third day compared to the control group. On the other hand, a significant decrease in urinary volume (on day 7) was observed in the group treated with ESCB at a dose of 300 mg/kg. The diuretic activity induced by ESCB may be related to the activation/release of renal prostaglandins. ESBM at a dose of 30 mg/kg was able to significantly reduce serum levels of MDA. According to the diuretic profile of the two species, B. milleflora showed better results and was therefore chosen for the evaluation of cardioprotective effects after prolonged treatment in SHR rats. Thus, treatment with ESBM (30 mg/kg) was able to induce a significant diuretic response from the first administration (day 1), resulting in an increase in urine volume and chloride and sodium excretion compared to animals in the control group. Treatments with ESBM (at all doses) were able to prevent changes in reactivity in isolated and perfused mesenteric vascular beds, maintaining vascular reactivity similar to that observed in the naive group. In addition to these results, it was evidenced that the flavonoid apigenin, present in B. milleflora, had endothelium-dependent vasodilator effects in resistance arteries of the mesenteric vascular bed in rats. This vasodilation depends on the opening of K+ channels in smooth muscle cells and the production of endothelial nitric oxide. The results obtained provide important data that contribute to the ethnopharmacological validation of the species B. milleflora and C. benghalensis. Clinical studies will be essential to provide efficacy and safety data of ESBM and ESCB in the treatment of clinical conditions where a diuretic effect is required.
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