Ancestralidade africana no Brasil e potenciais impactos à saúde
Resumo
Resumo: O povo brasileiro deriva da miscigenação de três grupos continentais principais: nativos americanos, europeus e africanos trazidos forçadamente através do tráfico transatlântico. Enquanto os ancestrais europeus foram bem documentados, as origens africanas são desconhecidas para a maioria da população, mesmo sendo o Brasil o país americano com a maior população afro-diaspórica. Africanos e os seus descendentes no Brasil contribuíram com o desenvolvimento de populações urbanas e núcleos de resistência à escravidão denominados quilombos. A fim de contribuir com o conhecimento da história populacional brasileira, assim como também das bases genéticas de doenças comuns na população negra, estudamos marcadores do cromossomo Y, do genoma mitocondrial e do cromossomo X em três regiões urbanas e dois quilombos. Estudamos a ancestralidade uniparental nas Regiões Sul (n = 73), Sudeste (n = 41) e Centro-Oeste do Brasil (n = 323). Também estudamos a ancestralidade uniparental de dois quilombos do estado de Paraná, Feixo (n = 117) e Restinga (n = 47), no sul do Brasil, região onde as raízes africanas foram historicamente invisibilizadas. Analisamos 2009 polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) no Y e 338 SNPs mitocondriais genotipados com microarranjo genômico nas amostras urbanas. Nos quilombos, 9 SNPs do Y e 6 SNPs mitocondriais foram genotipados por PCR-alelo específica. As amostras atribuídas ao clado mitocondrial L foram também sequenciadas nas regiões HVI-HVIII para a determinação do sub-haplogrupo (Hg) africano. Adicionalmente, estudamos a frequência de 27 variantes no gene G6PD, associadas à deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase, incluindo as variantes africanas G6PD*A e G6PD*A-, nas três regiões urbanas. As duas variantes africanas foram também estudadas pela primeira vez no Feixo e na Restinga. Revelamos miscigenação com viés de sexo em todas as populações estudadas, com a ancestralidade paterna europeia majoritária em todos os grupos e a materna mostrando proporções variáveis. No Centro-Oeste, Sudeste e no Feixo predominaram os Hgs mitocondriais ameríndios, enquanto no Sul e na Restinga predominaram os Hgs africanos. Pudemos estimar uma contribuição sub-continental materna africana predominantemente do Centro-Oeste Bantu no Centro-Oeste brasileiro. Nas regiões Sul e Sudeste a contribuição Niger-Congo não Bantu foi a mais expressiva. Inferimos a origem subcontinental africana das fundadoras do Feixo e da Restinga, detectando linhagens de provável origem no Centro-Oeste ou no Sudeste Africano Bantu no primeiro, e no Oeste Africano não Bantu no segundo. Os Hgs paternos nos quilombos foram majoritariamente do Centro-Leste ou Sul africanos. A fração ameríndia também mostrou contribuições variáveis, com frequências que sugerem a incorporação de linhagens andinas e do Brasil Central no Centro-Oeste e Sudeste brasileiros e de grupos ameríndios do sul do Brasil (Kaingang e Guarani) na região Sul e nos quilombos. Detectamos um gradiente na frequência das variantes G6PD*A e G6PD*A- da Região Centro-Oeste para o Sudeste e Sul do Brasil que contrastou fortemente com a maior frequência das mesmas nos quilombos. Nossos resultados contribuem com o conhecimento da história da diáspora africana no Brasil e trazem novos dados que podem auxiliar na compreensão das bases genéticas de doenças na população afro-brasileira. Descrevemos pela primeira vez a ancestralidade uniparental e as contribuições sub-continentais africanas e ameríndias da Região Centro-Oeste do Brasil e dos quilombos Feixo e Restinga. Ainda, nosso trabalho serve de base para que pesquisas futuras investiguem o efeito que variantes genéticas africanas possuem na saúde da população afro-brasileira. Abstract: The Brazilian population derives from the admixture between three main continental groups: Native Americans, Europeans, and Africans forcibly brought through the transatlantic traffic. While the European ancestors are well documented, African roots are unknown for most Brazilians, even with Brazil being the American country with the most expressive Afrodiasporic population. Africans and their descendants in Brazil contributed to developing urban populations and nuclei of resistance to slavery, called quilombos. To contribute to the knowledge of the Brazilian population's history and the genetic bases of diseases common in Black people, we studied Y chromosome, mitochondrial, and X chromosome markers in three urban regions and two quilombos. We studied uniparental ancestries in Southern (n = 73), Southeastern (n = 41), and Central-Western (n = 323) Brazil. We also examined the uniparental ancestry in two quilombos from the Paraná state, Feixo (n = 117) and Restinga (n = 47), in Southern Brazil. In this region, the African roots have been historically invisibilized. We analyzed 338 mitochondrial single nucleotide polymorphisms (SNPs) and 2009 Y chromosome SNPs genotyped through genomic microarray in the urban samples. In the quilombos, 6 mtDNA and 9 Y-SNPs were genotyped through allele-specific PCR and the sequencing of the HVI-HVIII mitochondrial regions in samples assigned to clade L was performed to resolve the African sub-haplogroup (Hg). We also studied the frequency of 27 variants in the G6PD gene associated with Glucose-6-phosphate dehydrogenase deficiency, including the African variants G6PD*A and G6PD*A-, in the three urban regions. Both African variants were studied for the first time in Feixo and Restinga. We reveal sex-biased admixture in all the populations studied, with paternal European ancestry predominant in all groups and maternal ancestry showing variable proportions. In Central-Western, Southeastern, and Feixo, the Amerindian maternal Hgs prevail, whereas in the South and Restinga, African Hgs were more expressive. We could estimate a maternal African sub-continental contribution mainly from Central-Western Bantus in Central-Western Brazil. The Western Niger-Congo non-Bantu contribution was more expressive in the South and Southeastern. We infer the sub-continental origin of the African women who formed Feixo and Restinga, detecting lineages most probably from Central- Western or Southeastern Bantus in the first and Western Niger-Congo non-Bantu in the second. The paternal Hgs in both quilombos were probably from Central-Eastern or Southern Africa. The Amerindian maternal fraction was also variable, with frequencies suggesting the incorporation of Andean lineages and from Central Brazil in the Central-Western and Southeastern regions of Brazil, and from Southern Brazilian Amerindians (Guarani and Kaingang) in the Southern region and quilombos. We detected a cline of G6PD*A and G6PD*A- variants frequencies between Central-Western, Southeastern, and Southern Brazil. Those frequencies contrasted sharply with the observed higher frequencies of the same variants in the quilombos. Our results contribute to the knowledge of the history of the African diaspora in Brazil and bring new insights that could help to understand the genetic bases of disease in the African Brazilian population. We described for the first time the uniparental ancestries and the sub-continental African and Amerindian contributions to Central-Western Brazil and the quilombos Feixo and Restinga. Furthermore, this work serves as a basis for future research that explores the effect that African variants have on the health of the African Brazilian population. Resumen: La población brasileña deriva del mestizaje de tres grupos continentales principales: pueblos originarios, europeos y africanos traídos en forma forzada por el tráfico transatlántico. Mientras que los ancestros europeos son bien documentados, la mayoría de la población desconoce sus orígenes africanos, aun siendo Brasil el país americano con mayor población afrodiaspórica. Africanos y sus descendientes en Brasil contribuyeron con el desarrollo de poblaciones urbanas y núcleos de resistencia a la esclavitud denominados quilombos. A fin de contribuir con el conocimiento de la historia poblacional brasileña, así como también de las bases genéticas de enfermedades comunes de la población negra, estudiamos marcadores del cromosoma Y, del genoma mitocondrial y del cromosoma X en regiones urbanas y quilombos. Estudiamos la ancestría uniparental en el Sur (n = 73), Sureste (n = 41) y Centro-Oeste de Brasil (n = 323). También estudiamos la ancestría uniparental en dos quilombos del estado de Paraná, Feixo (n = 117) y Restinga (n = 47), en el Sur de Brasil, región donde las raíces africanas han sido históricamente invisibilizadas. Analizamos 338 polimorfismos de nucleótido simple (SNPs) mitocondriales y 2009 SNPs del Y, genotipados por microarray genómico, en las muestras urbanas. En los quilombos, genotipamos 6 SNPs mitocondriales y 9 SNPs del Y, y secuenciamos las regiones HVI-HVIII de las muestras asignadas al clado mitocondrial L para la determinación del sub-haplogrupo (Hg) africano. Además, estudiamos la frecuencia de 27 variantes del gen G6PD asociadas a la deficiencia de glucosa-6-fosfato deshidrogenasa, incluyendo las variantes africanas G6PD*A y G6PD*A-, en las tres regiones urbanas. También estudiamos, por primera vez, las variantes G6PD*A y G6PD*A- en Feixo y Restinga. Revelamos un mestizaje sexo-asimétrico en todas las poblaciones estudiadas, con la ancestría paterna europea mayoritaria en todos los grupos y la materna mostrando proporciones variables. En el Centro-Oeste, Sudeste y en Feixo predominaron los Hgs mitocondriales amerindios, mientras que en el Sur y en Restinga predominaron los Hgs africanos. Pudimos estimar una contribución sub-continental materna africana predominantemente del Centro-Oeste Bantu en el Centro-Oeste brasileño. En las regiones Sur y Sureste, la contribución Niger-Congo no-Bantu fue más significativa. Inferimos el origen sub-continental africano de las fundadoras de Feixo y Restinga, detectando linajes de probable origen en el Centro-Oeste o Sudeste Africano Bantu en el primero y en el Oeste africano no-Bantu en el segundo. Los Hgs paternos en los quilombos fueron principalmente oriundos del Centro-Este o Sur Africanos. La fracción amerindia también mostró contribuciones variables, con frecuencias que sugieren la incorporación de linajes andinos y del Brasil central en el Centro-Oeste y Sureste brasileños y de grupos amerindios del sur de Brasil (Kaingang y Guarani) en la región Sur y en los quilombos. Detectamos un gradiente en la frecuencia de las variantes G6PD*A y G6PD*A- de la región Centro-Oeste hacia el Sureste y Sur de Brasil que contrastó claramente con la mayor frecuencia de las mismas en los quilombos. Nuestros resultados contribuyen con el conocimiento de la historia de la diáspora africana en Brasil y traen nuevos datos que pueden ayudar a la comprensión de las bases genéticas de enfermedades en la población negra brasileña. Describimos por primera vez la ancestría uniparental y las contribuciones sub-continentales africanas y amerindias de la región Centro-Oeste de Brasil y de los quilombos Feixo y Restinga. Además, nuestro trabajo sirve de base para que trabajos futuros investiguen el efecto que variantes genéticas africanas ejercen en la salud de la población afro-brasileña.
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