Golpes, parentesco e tirocínio policial : uma etnografia da delegacia de estelionato (PR)
Resumo
Resumo: O presente estudo é uma etnografia das técnicas e modos de conhecimento mobilizados pela equipe de um órgão policial especializado no combate ao crime de estelionato. A partir de pesquisa de campo realizada na Delegacia de Estelionato, em Curitiba (PR), buscou-se delinear, inicialmente, como se determina o que é ou não o crime de estelionato, uma classificação até certo ponto contingente que articula a multiplicidade de práticas ilícitas noticiadas diariamente ao órgão, as disposições do Código Penal e as competências de outras delegacias. Os desdobramentos da pesquisa conduziram a identificar, em meio à diversidade de ocorrências, que o chamado golpe do bilhete ocupava uma posição especial na perspectiva da equipe da delegacia. Ao concentrar a atenção nesse ilícito em específico, foi possível perceber que as relações de parentesco se faziam presentes de maneira recorrente: de um lado, as técnicas e habilidades mobilizadas pelos estelionatários são frequentemente ensinadas por um parente com mais idade e experiência no golpe a um outro parente neófito, tornando-o parceiro no embuste; de outro, o próprio modo como muitas vítimas são levadas a engano está associado ao parentesco. A partir dessas considerações, o argumento desenvolvido pela análise é que neste e em outros embustes – inclusive os que assumem características ditas "empresariais" –, a eficácia do golpe depende de afetos e expectativas comumente relacionados aos laços de parentesco, em especial as obrigações de cuidado, proteção e auxílio suscitadas pela criação de um vínculo de proximidade, ainda que fugaz, entre vítimas e embusteiros. Além de permear as relações entre vítimas e estelionatários, o parentesco também estava presente na constituição da própria equipe da Delegacia e no desenvolvimento de um modo de conhecimento específico envolvido nas atividades de investigação e combate ao crime de estelionato: o "tirocínio", que associa recursos técnicos e jurídicos de produção da verdade à habilidade de "pensar como um estelionatário". Abstract: This dissertation is an ethnographic study of the techniques and ways of knowing mobilized by the staff of a police department specialized in the crime of stellionate (illicit advantage achieved by fraud or deceit). Fieldwork carried out at the Delegacia de Estelionato in Curitiba (Paraná, Brazil) evinced that to determine what is or is not stellionate is a relatively contingent decision that articulates the multiplicity of illegal practices reported daily at the police station, the provisions of the Criminal Code and the legal responsibilities of other police stations. Among the various kinds of frauds dealt with by the staff, special attention was given to the so-called "ticket trick" (golpe do bilhete). Focusing on this particular offense, one remarkable feature emerged: the pervasiveness of kinship relations. On the one hand, the secrets of the deceit are often taught by an elder and skilled relative to a neophyte one, who becomes his or her partner. On the other hand, the ways by which the victims are deceived are also associated with kinship relations. It is argued that in this kind of deceit, and even in other scams that assume a more "business-like" fashion, efficacy depends on the affects and expectations usually associated to kinship ties, especially the obligations of care, protection, and assistance brought about by the creation of a close, though ephemeral, bond between victims and deceivers. In addition to permeating relations between victims and stellarians, kinship relations were also present amongst the police station’s staff and in the development of their "tirocínio", a specific way of knowing involved in investigating the crime of estelionato, which associates technical and legal resources of establishing truth to the ability to "think like a deceiver".
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