As crenças do cético pirrônico : duas leituras de HP I, 13
Resumo
Resumo: Sexto Empírico argumenta nas Hipotiposes Pirrônicas que a suspensão de juízo sobre todas as crenças é o meio pelo qual o ceticismo pirrônico tem o privilégio único sobre as demais filosofias de proporcionar aos seus adeptos a ataraxia, fim último do ceticismo e correspondente, segundo ele, à eudaimonia. Todavia, como o pirrônico poderia viver e filosofar suspendendo todas as crenças sem cair, com isso, ou numa completa paralisia ou numa evidente contradição? Numa importante e controvertida passagem das Hipotiposes (HP I 13), Sexto distingue dois sentidos de "crença" e afirma que é somente num deles que se diz que o cético suspende todas as crenças. Tomado num sentido genérico, de meramente aprovar alguma coisa, deve-se dizer que o cético tem crenças, pois ele assente às suas afecções (páthos), as quais se lhe impõem inevitavelmente em conformidade com uma representação (fantasía), ou, como explica Sexto (HP I 19), às aparências (fainómena) tal como ele as experiencia. Tomado, porém, num sentido estrito, de dar assentimento às coisas não-evidentes, como as que são investigadas pelas ciências, deve-se dizer que o cético não tem crenças, pois um cético não assente a nada que seja não-evidente. Todavia, é difícil ver de que modo deveríamos, mais precisamente, entender essas afirmações de Sexto. De acordo com a interpretação de Myles Burnyeat, o que Sexto pretende dizer é que um cético pirrônico de fato suspende seu juízo sobre absolutamente todas as crenças: um pirrônico não aceita coisa alguma como verdadeira, mas limita-se meramente a assentir às aparências (fainómena). Interpretando o pirronismo dessa maneira, Burnyeat concluiu que essa filosofia seria incoerente e impossível de ser vivida. Já de acordo com a interpretação mais recente de Gail Fine, o que Sexto pretende dizer é que o cético suspende o juízo somente sobre as crenças dogmáticas. Segundo essa leitura, um cético pirrônico, de acordo com Sexto, tem algumas crenças, isto é, ele aceita algumas coisas como verdadeiras, mas suas crenças se restringem à sua experiência subjetiva (páthos). Neste estudo, examinaremos cada uma dessas duas interpretações a partir de uma visão global do projeto filosófico de Sexto, tal como descrito nas Hipotiposes. Veremos que, comparada com a interpretação de Burnyeat, a leitura de Fine representa uma interpretação mais atrativa e mais caritativa do pirronismo de Sexto, permitindo que o vejamos como uma filosofia coerente e possível de ser vivida. Abstract: Sextus Empiricus argues in the Outlines of Pyrrhonism that suspension of judgment of all beliefs is the way by which Pyrrhonian skepticism has the unique privilege over other philosophies of providing its adherents with ataraxia, the ultimate end of skepticism and, according to him, corresponding to eudaimonia. However, how could the Pyrrhonist live and philosophize while suspending all beliefs without falling either into complete paralysis or into obvious contradiction? In an important and controversial passage from the Outlines (HP I 13), Sextus distinguishes between two senses of "belief" (dogma) and maintains that it is only in one of them that the skeptic is said to suspend all beliefs. Taken in a general sense, of merely approving something, the skeptic is said to have beliefs – for he assents to his affections (páthos), which inevitably impose themselves on him in accordance with a representation fantasía), or, as Sextus explains (HP I 19), to appearances (fainómena) as he experiences them. But taken in a strict sense, that of give assent to non-evident things, such as those investigated by the sciences, it must be said that the skeptic has no beliefs – for a skeptic does not assent to anything that is non-evident. It is difficult, however, to see how we should more precisely understand these statements by Sextus. According to Myles Burnyeat’s interpretation, what Sextus means is that a Pyrrhonian skeptic actually suspends his judgment on absolutely all beliefs: a Pyrrhonist does not accept anything as true, but merely assents to appearances (fainómena). Interpreting Pyrrhonism in this way, Burnyeat concluded that this philosophy would be incoherent and impossible to be lived. By contrast, in Gail Fine’s more recent interpretation, what Sextus means is that the skeptic suspends judgments only about dogmatic beliefs. On this reading, a Pyrrhonian skeptic, according to Sextus, has some beliefs, that is, he accepts some things as true, but his beliefs are restricted to his subjective experience (páthos). In this study, we will examine each of these interpretations from a global point of view of Sextus’ philosophical project, as it is described in the Outlines. We will see that, compared to Burnyeat’s interpretation, Fine’s reading represents a more attractive and more charitable interpretation of Sextus’ Pyrrhonism, allowing us to see it as a coherent and viable philosophy.
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- Teses [72]