Estudo da atividade citotóxica da proteína dermonecrótica do veneno de aranha-marrom (Loxosceles intermedia) com enfase no efeito nefrotóxico
Resumo
Os acidentes envolvendo aranhas marrons (Loxosceles) tornaram-se um problema de saúde pública no Brasil e, por conseguinte, de grande relevância médica. O conjunto de sinais e sintomas observados em decorrência da picada de aranha marrom é denominado Loxoscelismo; o qual se caracteriza pelo desenvolvimento de lesão dermonecrótica e espalhamento gravitacional no local da picada (quadro local ou cutâneo) e, menos freqüentemente, distúrbios hematológicos e disfunção renal (quadro sistêmico ou cutâneo-visceral), maiores responsáveis pelos óbitos das vítimas. O conteúdo do veneno de Loxosceles e os mecanismos pelos quais induz tais alterações não está bem esclarecido e permanece sob investigação em seus vários segmentos. A presente dissertação tem intuito de aprofundar os conhecimentos quanto à ação citotóxica do veneno loxoscélico, destacando-se o efeito sobre a função renal. Alguns autores atribuem a falência renal como conseqüência das alterações da hemostase (principalmente, a anemia hemolítica) as quais têm sido descritas pelos dados clínicos como proteinúria, hematúria e hemoglobinúria. Além disso, a intensa reação inflamatória observada no local da picada, poderia também induzir a deposição de
imunocomplexos que alterariam o fluxo de filtração glomerular e pelos túbulos renais, o que acarretaria na insuficiência renal aguda. Contudo, a literatura científica tem relatado que o veneno exerce ação direta sobre eritrócitos e plaquetas, induzindo hemólise intravascular, agregação plaquetária e coagulação intravascular disseminada; possui efeito inibitório sobre neutrófilos in vitro; além de efeitos citotóxicos em células
endoteliais de cordão umbilical e de vasos sangüíneos de coelho. Tendo em vista todas essas informações, nós levantamos a hipótese de uma ação direta do veneno sobre as estruturas renais, visto que não existem evidências experimentais de que o veneno interaja com o tecido renal. Para tanto, utilizamos camundongos expostos ao veneno loxoscélico (modelo animal que não desenvolve a lesão dermonecrótica) e foi observada a indução de lesão renal. Biópsias renais destes animais em microscopia de luz evidenciaram alterações morfológicas contundentes que incluem acúmulo de material eosinofílico e eritrócitos extravasculares na cápsula de Bowman, colapso glomerular, citotoxicidade das células e deposição de material proteináceo no lúmen dos túbulos. Em microscopia eletrônica de transmissão, as alterações morfológicas incluem
citotoxicidade de células epiteliais e endoteliais glomerulares e distúrbios na membrana basal renal, bem como alterações dos túbulos que apresentaram vacúolos na membrana citoplasmática, distúrbios mitocondriais, aumento do retículo liso, presença de autofagossomos. Nós observamos também que o veneno causa azotemia, com elevação do nível de uréia sangüíneo, embora não fora observada alteração dos níveis séricos de complemento C3 ou hemólise. Por meio de reações de imunofluorescência por microscopia confocal empregando anticorpos que reconhecem as proteínas do veneno, detectamos a ligação direta de toxinas loxoscélicas em estruturas renais. Ao se realizar
dupla marcação de veneno, núcleo (por citoquímica com DAPI) e colágeno tipo IV e laminina, demostramos a deposição das toxinas em células epiteliais glomerulares e tubulares e em membrana basal, mas não houve marcação dos núcleos das células renais. Os dados da ligação direta da toxina ao rim foram reforçados pela constatação de que o veneno é rico em proteínas básicas e de baixa massa molecular em eletroforese
bidimensional, o que explicaria o acesso (baixa massa) e a presença de toxinas loxoscélicas na membrana basal (aniônica). Em adição, houve a detecção de toxinas por "imunoblotting" na região de 30kDa de
extrato de membrana de rins envenenados. Tais resultados corroboraram para a
prospecção de uma possível ação citotóxica sobre linhagens celulares tumorais, as quais
foram avaliadas quanto a morfologia celular, viabilidade e proliferação celular (pelos
métodos de azul de Trypan e MTT, respectivamente), em concentrações e tempos
crescentes. Todas as células assumiram uma forma arredondada e, em alguns casos,
houve perda da adesividade ao substrato de cultura. No entanto, de modo geral, não foi
observada alteração da viabilidade celular e a taxa de proliferação celular foi bastante
variada entre as linhagens expostas ao veneno de Loxosceles. Por meio de técnicas de
imunofluorescência por microscopia confocal e microscopia de luz com marcação de
PAS, selecionamos uma das linhagens (MCF-7) com intuito de avaliar as alterações
morfológicas desencadeadas pelo veneno. Os pontos de adesão focal e a organização
dos filamentos de actina foram perturbados, bem como, observou-se a ligação das
toxinas do veneno na superfície celular. Além disso, o tratamento com o veneno
também degradou a matriz extracelular. Os resultados apontaram citotoxicidade do
veneno de aranha marrom sobre a morfologia das células tumorais e, por conseguinte,
possibilitam a utilização das toxinas do veneno como ferramentas viáveis para a
pesquisa em Biologia Celular. A ação direta das toxinas do veneno de aranha marrom
foi então novamente avaliada, desta vez utilizando uma proteína recombinante do
veneno (LiRecDT), com ênfase no seu possível efeito nefrotóxico, como descrevemos
para o veneno bruto. Nós postulamos que a toxina dermonecrótica (esfingomielinase-
D), que é a proteína bioquímica e biologicamente melhor caracterizada do veneno de
aranha marrom, poderia estar envolvida diretamente ao dano renal, pois suas
características de carga e massa molecular são similares aos dados que obtivemos na
detecção de proteínas do veneno bruto ligadas ao rim. Nesse ínterim, utilizando
camundongos expostos a LiRecDT, nós evidenciamos a indução direta de injúria renal.
Os achados histopatológicos de biópsias renais demonstraram alterações contundentes
que incluem edema glomerular e necrose tubular. Houve deposição de material
proteináceo no lúmen dos túbulos, vacuolização e lise de células epiteliais. Não foi
visualizada infiltração de leucócitos em glomérulos e túbulos renais, bem como os vasos
renais não evidenciaram sinais de resposta inflamatória. Na imunofluorescência por
microscopia confocal foi demonstrada a ligação direta de LiRecDT no tecido renal. Por
ensaio de "imunoblotting" de extrato de membrana renal de camundongo tratado com
LiRecDT, que revelou a presença de um sinal positivo na região de 33-35 kDa, fato que
fortalece a idéia de ação nefrotóxica direta da toxina dermonecrótica. A utilização de
cultura de células epiteliais de rim canino (MDCK) permitiu novamente a observação da
ligação de LiRecDT quando observadas por imunofluorescência em microscopia
confocal. Similarmente, o tratamento de células MDCK com LiRecDT em cultura
determinou alterações morfológicas de vacuolização citoplasmática, mudança do
comportamento do perfil de espalhamento celular e adesão célula-célula. Em adição, a
viabilidade celular foi avaliada pelo método de captação por endocitose de corante vital
(Vermelho Neutro) e ensaio de XTT, sendo a redução dependente da concentração e
tempo de exposição. Os presentes resultados corroboram para a idéia de que a toxina
dermonecrótica, assim como o veneno bruto, denota em nefrotoxicidade direta sobre as
células renais in vivo e in vitro. Os trabalhos decorrentes deste projeto contribuem para
o entendimento dos mecanismos pelos quais os venenos de aranhas marrons
desencadeiam um efeito citotóxico e, em especial, nefrotóxico observado no
Loxoscelismo.
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