Comportamento de pesca do boto-cinza, Sotalia guianensis (Van Bénéden, 1864)

Abstract

Populações geograficamente distintas de uma espécie freqüentemente apresentam diferenças morfológicas e comportamentais, refletindo adaptações a diferentes condições ecológicas. Este estudo foi realizado com o objetivo de analisar o comportamento de pesca do boto-cinza, as variações deste comportamento entre as populações de boto-cinza da região sudeste e sul do Brasil e avaliar a influência das características geomorfologicas do habitat nestas variações. O comportamento de pesca do boto-cinza foi observado entre janeiro de 2004 e julho de 2005, na região do Complexo Estuarino-Lagunar Cananéia/Paranaguá, totalizando 502 horas de esforço de campo. As observações foram feitas a partir de ponto–fixo em terra, utilizando um misto do método "animal focal" e "amostragem seqüencial". Para a análise da freqüência dos comportamentos, as regiões foram divididas em setores. Amostras geomorfologicas foram coletadas em cada setor e as características subaquáticas foram descritas considerando as áreas de alimentação dos botos. Para as regiões de Cananéia e Ilha das Peças a estrutura de grupo mais freqüente durante os comportamentos de pesca foi a familiar seguida pela formação de grandes grupos. Nas duas regiões, durante períodos de alimentação, foram observadas interações do boto-cinza com aves marinhas e para a Ilha das Peças também foram verificadas interações com arraia jamanta. Foram observados 21 comportamentos que puderam ser agrupados em quatro grandes categorias: Pesca individual, Pesca em pequenos grupos, Pesca em grandes grupos e Pesca de infantes. A freqüência das categorias comportamentais é semelhante entre as duas regiões, mas foram verificados comportamentos exclusivos. Esta semelhança no repertório comportamental pode estar relacionada à recente colonização destas regiões, mas a existência de técnicas de pesca restrita a uma região pode indicar um fluxo populacional pequeno entre estas áreas. As variações regionais encontradas nos padrões comportamentais, provavelmente, estão relacionadas com as diferentes pressões de seleção em cada área e as diferenças geomorfologicas dos ambientes atuam como uma forma de pressão, pois apresentam forte influência na dinâmica da presa e na eficiência de captura. A colonização recente das populações de boto-cinza do sudeste e sul do Brasil e as diferenças comportamentais observadas entre as populações analisadas são informações importantes para a conservação desta espécie, pois a perda de uma população local pode não ser uma perda genética, mas será uma perda de padrões comportamentais e provavelmente culturais.