Macroecologia e evolução da ecolocalização em morcegos
Resumo
Resumo: Os morcegos constituem mais de 20% das espécies de mamíferos atualmente descritas, uma diversidade extraordinária ligada principalmente à capacidade de voo e à ecolocalização. A ecolocalização é um fenômeno presente em todas as famílias de morcegos. Das 19 famílias de morcegos atualmente reconhecidas, 18 emitem ecolocalização tonal produzida na laringe, enquanto espécies da família Pteropodidae emitem sons pulsados produzidos através de estalos da língua ou asas. Contudo, a ecolocalização em Pteropodidae é relatada para apenas algumas espécies, enquanto nas outras 18 famílias que emitem sons tonais esse sistema é ubíquo. A ecolocalização tonal é um sistema ativo relacionado principalmente com a localização espacial e navegação em ambientes escuros, mas também usada como método de detecção e classificação de itens alimentares em diversas espécies de morcegos. Diversos estudos oferecem hipóteses sobre a origem da ecolocalização, bem como hipóteses sobre a diferenciação dos chamados de ecolocalização em relação ao ambiente ocupado pelas diversas espécies de morcegos e a convergência dos tipos de chamados entre grupos filogeneticamente distantes. No entanto, pouco se sabe sobre a dinâmica de evolução da ecolocalização tonal, as influências morfológicas e ambientais sobre a diferenciação desta característica, e a ligação entre o fenômeno da ecolocalização e a excepcional riqueza de espécies de morcegos. O objetivo deste trabalho é apresentar respostas a estas questões a partir de uma perspectiva macroevolutiva e macroecológica, oferecendo uma visão geral sobre as forças intrínsecas e extrínsecas que afetam a evolução desta característica e possibilitam a diversidade de espécies e sinais de ecolocalização observados atualmente. A questão das características morfológicas e ambientais atuantes sobre a diversidade de sinais de ecolocalização é abordada com o uso de ferramentas de biologia comparativa, determinando os sinais filogenético e espacial presentes nos diferentes parâmetros espectrais e temporais da ecolocalização e definindo a direção e magnitude das influências morfológicas e ambientais sobre cada parâmetro. O componente de história filogenética é preponderante sobre a maior parte dos parâmetros analisados, porém apenas a duração do chamado de ecolocalização apresenta um componente espacial próximo de zero. A amplitude de frequências no chamado aparece como o parâmetro com maior componente espacial, superior ao filogenético, e também apresenta a maior proporção de variação independente tanto da filogenia quanto do espaço. A frequência inicial também apresenta3se como um parâmetro relativamente mais plástico, enquanto a frequência final e a duração do chamado mostram menor variação independente e maior proporção de sinal filogenético. O pico de frequência mostra um componente filogenético intermediário entre a frequência inicial e final, e um componente independente superior ao espacial. A razão de aspecto da asa e o tamanho corporal (representado pelo tamanho de antebraço) têm as maiores influências sobre os parâmetros analisados, confirmando que animais maiores emitem chamados de frequência mais baixa e de maior duração. A temperatura também apresenta influência sobre a maioria dos parâmetros de ecolocalização, levando a frequências mais altas e de menor duração. Os resultados confirmam algumas relações alométricas propostas em outros estudos, porém aqui controlando a autocorrelação filogenética entre as espécies, e demonstram heterogeneidade nos fatores filogenéticos e espaciais atuantes sobre o biosonar. A relação entre os parâmetros de frequência e a duração dos chamados de ecolocalização leva à formação de algumas configurações espect^temporais distintas, ligadas principalmente ao tipo de ambiente onde as espécies forrageiam mas também aos clados a que pertencem. Essas conformações muitas vezes são convergentes entre grupos distantes de morcegos que se utilizam de estratégias de forrageamento e/ou ocupam ambientes similares, porém não se sabe como esses casos de convergência se refletem na dinâmica de evolução das frequências de ecolocalização e sua relação alométrica com o tamanho de corpo. Avalio^se então se essas diferentes conformações levam a diferentes taxas de evolução da frequência de máxima energia e do tamanho de antebraço, sob 18 hipóteses de cenários evolutivos que variam de uma taxa única para todos os clados até seis diferentes taxas evolutivas e convergências entre clados. A hipótese que melhor explica a variação encontrada na ecolocalização das espécies atuais de morcegos aponta quatro diferentes taxas de evolução, e apenas um caso claro de convergência nessas taxas. A grande maioria das espécies conserva a mesma taxa evolutiva encontrada no tipo de chamado apontado como ancestral aos morcegos que emitem ecolocalização tonal, enquanto alguns clados que emitem chamados de baixa amplitude de frequências apresentam taxas mais baixas ou mais elevadas em relação ao estado ancestral. O mesmo cenário explica também a variação no tamanho de antebraço, porém as taxas de diferenciação são menores do que aquelas da ecolocalização. Os resultados demonstram que apesar das convergências na relação espectro3temporal entre alguns grupos, as taxas de evolução da ecolocalização e tamanho de antebraço comumente seguem o padrão encontrado nos clados a que os grupos pertencem. A relação alométrica entre ecolocalização e tamanho corporal também se reflete nas diferenças de taxas evolutivas entre clados, porém em velocidades diferentes. Sabe3se que a ordem Chiroptera apresenta uma forte relação entre a riqueza de espécies e a temperatura, formando um pronunciado gradiente latitudinal de riqueza ligado à conservação filogenética do nicho climático tropical. Porém os mecanismos ligando a coexistência de várias espécies em escala local com os padrões regionais de riqueza são desconhecidos. A atenuação acústica gerada pela atmosfera, uma função não linear da temperatura, umidade e frequência sonora, pode atuar como um mecanismo de facilitação da coexistência diminuindo a interferência acústica entre hetero3 e coespecíficos. Essa hipótese é testada primeiramente buscando3se a melhor combinação de variáveis ambientais que explicam o gradiente de riqueza de espécies que ecolocalizam, e avaliando a capacidade desse modelo em prever a riqueza de espécies que não possuem ecolocalização tonal. Em seguida, avaliou3se o papel da atenuação sonora diretamente sobre o padrão de riqueza de espécies através de modelos generalizados aditivos. A combinação entre temperatura e umidade, variáveis responsáveis pela atenuação sonora, é a que melhor explica o gradiente de riqueza das espécies que ecolocalizam, porém este modelo prediz uma riqueza de espécies muito maior do que a observada para as espécies que não ecolocalizam. A atenuação sonora explicitamente modelada responde por 79% da variação no gradiente de riqueza de espécies, excedendo a variação explicada simplesmente pela temperatura e umidade em separado. Esses resultados fornecem evidências de que a atenuação sonora pode ser o principal mecanismo de ligação entre os processos locais e regionais que determinam o gradiente de riqueza de espécies de morcegos que emitem ecolocalização tonal. Abstract: Bats constitute more than 20% of the currently known mammal species, an exceptional diversity linked to powered flight and echolocation. Eighteen from the 19 bat families use tonal echolocation produced in the larynx, while species from the Pteropodidae family use tong or wing clicks in some circumstances. However, only a few species of Pteropodidae are known to produce echolocation, while tonal echolocation is ubiquitous in all species from the other 18 families. Tonal echolocation is an active system commonly used for spatial navigation in low3light conditions, but a large number of species also use it to detect and classify food items. Several studies offer hypotheses about the origin of echolocation and the differentiation between echolocation types in relation to habitat, as well as the convergence of echolocation designs among phylogenetically distant groups. However, the dynamics of the tonal echolocation evolution, the influences of morphological and environmental variables, and the mechanisms linking echolocation to the exceptional bat diversity are poorly known. This work presents answers to these questions from a macroevolutionary and macroecological perspective, offering a broad3scale assessment of the intrinsic and extrinsic forces that shape this characteristic and allow the observed diversity of species and echolocation signals. Comparative biology tools are used to determine the morphological and environmental variables shaping the diversity of echolocation calls, establishing the phylogenetic and spatial signals in the different spectral and temporal parameters of echolocation, and analyzing the direction and magnitude of the morphological and environmental influences. The phylogenetic component is preponderant in almost all parameters analyzed, although only the call duration shows a nearly absent spatial component. Call bandwidth appears as the most spatially structured parameter, greater than the phylogenetic signal, and also has the greatest variation independent from both phylogeny and space. The initial frequency also appears as a relatively plastic characteristic, while the final frequency and call duration show the smallest independent component and a greater contribution of phylogenetic history. The peak frequency has a phylogenetic component in between that of the initial and final frequencies, and a independent component greater than the spatial one. Wing's aspect ratio and body size (represented by the forearm length) have the greatest influence over the analyzed parameters, confirming the proposition that larger species emit calls of lower frequencies and longer durations. Temperature is also influential over most of the analyzed parameters, leading to higher frequencies and lower durations in the warmest regions. The results corroborate some of the proposed allometric relationships between echolocation and body size, but here controlling for the phylogenetic autocorrelation among species, and demonstrate the heterogeneity in the phylogenetic and spatial influences over the biosonar variation. The relationship between frequency parameters and call duration leads to some distinct spectrotemporal configurations, majorly linked to the habitat in which the species forage, but also to their phylogenetic positions. These call designs are often convergent between distantly related groups that forage and/or occupy similar habitats, however little is known about how these cases of design convergences translate into the dynamics of evolution of echolocation frequencies and their allometric relationship with body size. This work evaluates whether these different call designs lead to different rates of frequency of maximum energy and forearm length evolution, evaluating 18 hypothetical scenarios that vary from a single rate of evolution for all bat species to a scenario of six different rates and cases of convergences between clades. The hypothesis that better explains the variation in echolocation frequencies among current bats is composed by four different rates of phenotypic differentiation and just one clear case of convergence in these rates. The vast majority of species retains the same rate of the echolocation type found to be the ancestral state of laryngeal echolocating bats, while some clades that emit narrowband calls have rates lower or higher than the ancestral background. The same scenario explains the variation in forearm length, yet with rates always lower than those found for echolocation frequency. The results show that, despite the convergences in call shape between some groups, rates of frequency and body size evolution often follow the pattern of the clades to which the groups pertain. The allometric relationship between echolocation and body size is also reflected in the rates of phenotypic differentiation, although with disparate paces. It is known that Chiroptera shows a strong relationship between species richness and temperature, leading to a pronounced latitudinal richness gradient linked to the phylogenetic conservatism of the tropical niche. However, the mechanisms linking the coexistence of species in local scale with the regional patterns are poorly known. Atmospheric sound attenuation, a nonlinear function of temperature, humidity and sound frequency, can act as a mechanism that facilitates the coexistence through diminishing the acoustic interference between hetero3 and conspecifics. This hypothesis is tested through assessing the environmental predictors that best explain the richness gradient of echolocating bats, and then evaluating the capacity of this model in predicting the richness gradient of non3 echolocating species. Further, the role of atmospheric sound attenuation in shaping the echolocating species richness is directly evaluated through generalized additive models. As expected, the model composed by temperature and humidity, the variables responsible for sound attenuation, has the best fit to the richness gradient of echolocating bats, but this model greatly overpredicts the richness of non3 echolocating bats. The explicitly modeled atmospheric sound attenuation accounts for 79% of the variation in the richness gradient, exceeding the variation explained by a model composed by temperature and humidity separately. These results show that sound attenuation can be the principal mechanism linking the local and regional scale processes that shape the richness gradient of laryngeal echolocating bats.
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