O ator e o autor : fala e escrita em narrativas autobiográficas de um informante
Resumo
Resumo: Neste trabalho comparam-se produções orais e escritas de um mesmo falante. As relações entre a fala e a escrita têm sido vistas de várias maneiras. Uma perspectiva tradicional sobre o tema ficou conhecida como Teoria da Grande Divisão, por considerar que diferenças fundamentais - de ordem cognitiva, inclusive - separam sociedades e indivíduos que dominam algum sistema de escrita dos que permanecem ágrafos. Várias pesquisas, no entanto, têm demonstrado que a aquisição de certas habilidades, atribuída ao uso da escrita, deve ser antes vista como resultante de processos sociais mais abrangentes - como a urbanização e a escolarização. O equivocado grafocentrismo da Teoria da Grande Divisão foi aparentemente contraditado pela Teoria da Continuidade, segundo a qual não há entre fala e escrita diferenças notáveis, se as comparações forem feitas entre gêneros discursivos equivalentes nas duas modalidades. A idéia de uma transição suave entre escrita e fala, contudo, incorre, por sua vez, em outro equívoco: o de considerar a escrita como uma possibilidade adicional de uso da linguagem, uma modalidade neutra que seria igualmente acessível a todos os falantes. Assim, tal como a Teoria da Grande Divisão - que atribui poderes exagerados à escrita em si - , a Teoria da Continuidade - que os minimiza - não é sensível às relações sociais e políticas que determinam as formas e funções da escrita em cada grupo social. Estudos feitos sob a ótica da Etnografía da Comunicação têm demonstrado que as práticas de uso da escrita - ou letramentos - variam consideravelmente de um grupo social para outro. Por essa razão, generalizações sobre as relações entre a fala e a escrita, feitas a partir da experiência de grupos específicos, inevitavelmente resultam em distorções etnocêntricas. As comparações entre os textos orais e escritos produzidos por um mesmo falante feitas aqui desenvolvem-se sob o enfoque etnográfico. Assume-se que tanto os textos da oralidade quanto os da escrita, por serem relatos espontâneos autobiográficos de pessoa idosa, são parte de eventos comunicativos performáticos. A partir dessa aproximação, analisam-se as sinalizações de performance numa e noutra modalidade, com ênfase nos traços paralingüísticos - que têm grande destaque nas performances orais -, e em aspectos gramaticais e lexicais - que configuram o uso de um código especial para a escrita. Os resultados dessa análise, argumenta-se, comprovam que esse código não mantém nenhuma relação previsível com a da oralidade, e sim com modelos da própria escrita. Portanto, suas determinações devem ser buscadas nos processos e nos modelos através dos quais se deu a inserção do produtor dos textos nos letramentos de sua comunidade. Através desse estudo de um caso único, mas certamente representativo de muitos outros, pretende-se demonstrar quão complexas podem ser as relações entre a escrita e a fala, e, principalmente, apontar as distorções a que podem estar sujeitas as pesquisas em que dados das duas modalidades são computados, sem um reconhecimento mais refinado de tais relações. Abstract: In this work, oral and written texts produced by the same person are compared. The relations between speaking and writing have been described in various ways. A traditional perspective about the subject became known as the Great Divide Theory, for asserting that fundamental differences-including cognitive ones-set apart societies and individuals that possess some writing system from those who do not. Several studies, however, have demonstrated that the acquisition of certain abilities ascribed to the use of writing should rather be seen as resulting from larger social processes - such as schooling and urbanization. The mistaken graphocentrism of the Great Divide Theory was apparently contradicted by the ContinuumTheory, according to which there are no remarkable differences between speaking and writing when equivalent discourse genres, in each modality, are compared. The idea of a smooth transition between speaking and writing, however, entails another misconception: considering writing as just and additional possibility for the use language, a neutral modality equally accessible to every speaker. Thus, just as the Great Divide Theory - which ascribes exaggerated powers to writing - the Continuum Theory - which minimizes them - is not sensitive to the social and political forces that determine the forms and functions of writing in each social group. Studies conducted in the perspective of Ethnography of Communication have demonstrated that practices involving use of writing-that is, literacies-do vary considerably among social groups. Thus, generalizations about the relations between speaking and writing, deriving from comparisons within specific groups, will inevitably entail ethnocentric distortions. The comparison - between oral and written texts produced by the same speaker - presented here is made from an ethnographic standpoint. It is assumed that both the oral and the written texts, being spontaneous autobiographic narratives of an elderly person, were part of performatic communicative events. Thus, the analysis focus on features serve to key performance, emphasizing paralinguistic features - which are extremely relevant in the oral performances -, and grammatical and lexical aspects - which define a special code for writing. It is argued that the results of this analysis demonstrate that this code does not maintain any predictable relation with the language used in the oral texts. Rather, its determinations should be sought in the processes and models which shaped the writer's insertion in his community's literacies. This study of a singular case - which is certainly representative of many others - intends not only to demonstrate how intricate the relations between speaking and writing can be, but also to point out the distortions that can bear upon researches in which data from both modalities are mixed without a more refined analysis of such relations.
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- Teses & Dissertações [9314]