Para além da fala franca : táticas da ironia e arte conceitual no Brasil durante o AI-5 - anos 1970
Resumo
Resumo: Nos anos 1970, a produção de artes visuais no Brasil passa por mudanças significativas, tanto em termos de recursos poético-discursivos, tendentes a certa radicalidade, quanto no que compete aos modos de relacionamento crítico com o problemático entorno social, de caráter autoritário. Essas mudanças, em curso desde a década anterior, se avolumam nas obras de alguns artistas que, através de apropriações de elementos externos à esfera artística, da sobreposição de categorias estético-ideológicas, da expansão da expressão por diversos meios, aproximam-se das poéticas ditas conceituais. A difusão de uma produção artística de matriz conceitual no Brasil ocorre em meio aos traumas de uma geração marcada pela ditadura militar, instaurada pelo golpe de Estado de 1964 e acirrada com o Ato Institucional nº 5, o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, que institucionalizará o aparato repressivo do governo autoritário pelos próximos dez anos, atravessando a década de 1970. Diante desse contexto, a ideia central desta pesquisa é identificar e analisar alguns dos principais recursos poético-críticos operados pela arte conceitual no Brasil durante os anos 1970, com destaque para o conceito de ironia. Mais que uma mera reação ao terror de Estado, à supressão de direitos e à institucionalização da censura, a ironia é aqui entendida como uma forma propositiva de elaboração estética de tipo conceitual — ainda que não se restrinja, evidentemente, a essa forma de arte. Para analisar as relações discursivas entre arte conceitual, ironia e criticidade política, a pesquisa recorre às obras de cinco artistas brasileiros atuantes durante a vigência do AI-5 — Anna Bella Geiger, Regina Silveira, Regina Vater, Rubens Gerchman e Paulo Bruscky — entendendo-os como casos-exemplares, ainda que não exclusivos, do que se nomeará de "táticas da ironia". Para compreender as formas poéticas operadas na tática da ironia, a pesquisa combina o conceito de "ironia" de Linda Hutcheon com a ideia de "tática" de Michel de Certeau, para em seguida testar os limites da teoria mediante o confronto direto com as obras dos artistas analisados. Por ironia, entende-se uma proposta ou tática poética perspicaz (uma espécie de artimanha), capaz de tensionar ou burlar determinadas interdições ou proibições por meio de práticas simbólicas concretas, como o desvio discursivo, a incongruência, a sobreposição de sentidos, o uso lúdico de jogos visuais ou conceituais e uma presumida autoproteção do emissor. Para tratar desse tema, a pesquisa abordará alguns dos principais modos de ativação poética da tática da ironia na arte conceitual brasileira dos anos 1970. No primeiro capítulo, contextualiza-se a arte conceitual no Brasil, aborda-se a relação entre arte e censura, autocensura e parresía (coragem de verdade), com destaque, à contrapelo, para os usos discursivos da ironia. No capítulo seguinte, a ironia é analisada por meio de um de seus principais recursos: a paródia. A ideia é interpretar obras que evocam símbolos nacionais e questões relacionadas à geografia e à cartografia para problematizar os discursos oficiais e homogeneizadores do "mito Brasil", em especial aqueles ligados à ideologia do desenvolvimentismo nacional dos governos militares. O último capítulo aborda, no âmbito da arte conceitual brasileira, os gêneros do retrato e do autorretrato, tratados não apenas como recursos irônicos, mas sobretudo como estratégias de autoironia. Conclui-se, por fim, que tanto a identidade "nacional" (abordada no segundo capítulo) quanto a "individual" (abordada no terceiro) são eixos transversais e complementares da tática da ironia da arte conceitual brasileira dos anos 1970. Abstract: In the 1970s, the production of visual arts in Brazil went through significant changes, both in terms of poetic-discourse resources, tending to a certain radicalism, and in terms of critical interaction with the problematical social environment at the time, of an authoritarian aspect. These changes, in progress since the previous decade, increase in the works of some artists who, through the appropriation of elements out of the artistic sphere, the overlapping of aestheticideological categories, the expansion of expression through various means, resemble those poetics once taken as conceptual. The diffusion of an artistic production with a conceptual root in Brazil occurs amid the traumas of a generation marked by the military dictatorship, established by the 1964 coup d'état and intensified by the Institutional Act nº 5, AI-5, of December 13,1968, which will institutionalize the repressive apparatus of the authoritarian government for the next ten years, through the 1970s. In this context, the core idea of this research is to identify and analyze some of the main poetic-critical resources employed by conceptual art in Brazil during the 1970s, with emphasis on the concept of irony. More than a mere reaction to the terror imposed by the State, the suppression of rights and the institutionalization of censorship, irony is understood here as a purposeful form of conceptual aesthetic elaboration — although it is not restricted, of course, to this form of art. In order to analyze the discursive relations between conceptual art, irony and political criticism, the research uses the works of five Brazilian artists working during the AI-5 period — Anna Bella Geiger, Regina Silveira, Regina Vater, Rubens Gerchman and Paulo Bruscky — analyzing them as exemplary cases, although not exclusive, of what will be called "tactics of irony". In order to understand the poetic forms used in the tactic of irony, the research combines Linda Hutcheon's concept of "irony" with Michel de Certeau's idea of "tactics", to then test the limits of the theory through a direct confrontation with the works of the analyzed artists. By irony, it is understood an insightful poetic proposal or tactic (a kind of trick), capable of producing tension or circumventing certain interdictions or prohibitions through concrete symbolic practices, such as discursive deviation, incongruity, the overlapping of meanings, the use of visual or conceptual games and a presumed self-protection of the sender. To deal with this issue, the research will address some of the main modes of poetic activation of the tactic of irony in Brazilian conceptual art of the 1970s. In the first chapter, conceptual art in Brazil is contextualized, the relationship between art and censorship is approached, self-censorship and parrhesia (true courage), with emphasis, against the grain, for the discursive uses of irony. In the next chapter, irony is analyzed through one of its main resources: parody. The idea is to interpret works that evoke national symbols and issues related to geography and cartography to problematize the official and homogenizing discourses of the "Brazil myth", especially those linked to the ideology of national developmentalism of military governments. The last chapter addresses, within the scope of Brazilian conceptual art, the genres of portrait and self-portrait, treated not only as ironic resources, but above all as strategies of self-irony. Finally, it is concluded that both the "national" identity (addressed in the second chapter) and the "individual" (addressed in the third) are transversal and complementary axes of the tactic of irony in Brazilian conceptual art of the 1970s.
Collections
- Teses [149]