A filosofia no palco mundano : a comunicabilidade dos afetos e o cultivo da civilidade em Shaftesbury e Hume
Resumo
Resumo: A busca por alternativas razoáveis ao combate dos excessos causados pelas paixões violentas – responsáveis pelo adoecimento do corpo social – foi tarefa política comum, senão central, a diversos autores do Século das Luzes, em especial a Anthony Ashley Cooper, 3º Conde de Shaftesbury e David Hume. Essa razoabilidade, no entanto, deixou de ser pensada enquanto uma espécie de abstração instrumental e passou a ser tomada, tanto para Shaftesbury quanto para Hume, em termos afetivos. Por esse motivo, toda uma dimensão da vida comum adquiriu, para esses autores, dignidade filosófica, ao mesmo tempo em que o convívio social se revelou como lugar privilegiado ao refinamento dos juízos. Não obstante, embora ambos divirjam quanto às peculiaridades de um método próprio ao necessário equilíbrio dos afetos, não deixam de concordar que este passa pelo cultivo de certo decoro, necessário ao exercício pleno das liberdades. Referido cultivo é promovido, por sua vez, por uma educação que estimula o diálogo ou a comunicabilidade entre as diversas inclinações ou afetos humanos, no lugar de pretender eliminá-los. Nesse cenário, Hume resgata do pensamento shaftesburiano a ideia da formação histórico-social de um senso de civilidade, análogo a um afeto reflexivo, capaz de autorregulação, para pensar o aporte natural das virtudes sociais. Contudo, ao pensar a virtude social que organiza, primordialmente, a sociedade política (a justiça) como uma virtude artificial, Hume nega a passagem espontânea entre os resultados da boa educação dos afetos para a boa formação dos governos, entendendo antes que no espaço dessa passagem há contingências. A convenção, então, faz-se necessária para regrar a insegurança resultante desse cenário, instaurar e comprometer os homens para com o bem comum (relacionado à ideia de coisa pública), a despeito de seus interesses mais imediatos e de suas liberdades pessoais originárias. A simpatia ou o moral sense humiano precisará ser alargado, para que o senso de civilidade possa ser apurado, formado e reconhecido, ao longo da história, como fundamento moral da vida política, como outrora propunha Shaftesbury. Abstract: The quest for reasonable alternatives to combat the excesses caused by violent passions – responsible for the malaise of the social body – was a common, if not central, political task for various authors of the Enlightenment, especially Anthony Ashley Cooper, 3rd Earl of Shaftesbury, and David Hume. This reasonableness, however, ceased to be conceived as a kind of instrumental abstraction and came to be understood, both by Shaftesbury and Hume, in affective terms. For this reason, an entire dimension of common life acquires, for these authors, philosophical dignity, while social interaction emerges as a privileged site for refining judgments. Nevertheless, although they differ on the peculiarities of a method suited to the necessary balance of affects, they agree that this involves cultivating a certain decorum, essential for the full exercise of liberties. This cultivation is, in turn, promoted by an education that encourages dialogue or communicability among the various inclinations or human affects, rather than seeking to eliminate them. In this scenario, Hume retrieves from Shaftesbury's thought the idea of the historical-social formation of a sense of civility, analogous to a reflective affect capable of self-regulation, to consider the natural contribution of social virtues. However, in thinking of the social virtue that primarily organizes political society (justice) as an artificial virtue, Hume denies the spontaneous transition from the results of the good education of affects to the proper formation of governments, understanding that there are contingencies in this transition space. Convention, then, becomes necessary to regulate the insecurity resulting from this scenario, to establish and commit men to the common good (related to the idea of the public thing), despite their more immediate interests and original personal liberties. Humian sympathy or moral sense will need to be expanded so that the sense of civility can be refined, formed, and recognized throughout history as the moral foundation of political life, as Shaftesbury once proposed.
Collections
- Teses [66]