De como um rei tem dois corpos em Memorial do convento
Resumo
Resumo: A presente dissertação tem como objetivo a análise do monarca D. João V enquanto personagem do romance Memorial do convento (1982) de José Saramago e na sua apropriação para a História de Portugal (1879) do historiador português Oliveira Martins, partindo da semelhança com que os dois autores tratam esse rei. Embora a maior parte das interpretações do Memorial seja no sentido de privilegiar os oprimidos, aqui se trilha o caminho inverso, pois se acredita que, embora D. João V seja um personagem secundário, ele se faz onipresente e onipotente durante todo o enredo, determinando as ações dos demais personagens. Isso pode ser explicado a partir da teoria de Ernst Kantorowicz, Os dois corpos do rei (1957), surgida na Idade Média, mas de que se encontram resquícios bem mais tarde, e segundo a qual um rei tem em si dois corpos: ora se atribui a ele um corpo natural e outro político, ora um corpo natural e um corpo místico. Ainda de acordo com a proposta de Kantorowicz, esse corpo político/místico abarca a totalidade da nação, sendo que o rei se constitui como cabeça e os súditos como membros. A existência desses corpos não naturais e dessa corporificação do reino pode ser percebida tanto no texto de Martins como no de Saramago, mas servem de motivo para a crítica dos dois autores, uma vez que reflete o absolutismo e a beatitude com que D. João V conduziu o seu reinado. Por outro lado, o estudo desses textos à luz da teoria de Kantorowicz comprova a continuidade da concepção dos dois corpos do rei já no século XVIII português. A partir dessa análise será possível também evidenciar de que forma o discurso de Oliveira Martins e sua História de Portugal inspiraram José Saramago na composição do Memorial do convento. Abstract: The present dissertation aims at analyzing king D. Joao V as a character of Memorial do convento (1982) by Jose Saramago and in his appropriation for Historia de Portugal (1879) written by the historian Oliveira Martins, based on the similarity that both authors present this king. Despite the majority of the novel interpretations focus on privileging the oppressed ones, here the opposite direction is followed since it is believed that even if D. Joao V is a secondary character he is omnipotent and omnipresent all through the plot, determining the actions of the other characters. This can be explained based on the Ernst Kantorowicz theory, The king¡¯s two bodies (1957) about the Medieval Age but that can be found remnants much later and according to which a king has two bodies: in one moment it is attributed to him a natural and other political body; in another a natural and a mystical body. Yet, according to Kantorowicz.s proposal this political/mystical body covers the totally of the nation, in which the king is constituted as the head while the subjects as members. The existence of these non-natural bodies as well as this embodiment of the kingdom may be perceived not only in Martins. text but also in Saramago.s, however they are seen as a reason for criticism for both authors since it reflects the absolutism and beatitude that D. Joao conducted his reign. On the other hand, the study of these texts based on Kantorowicz.s theory proves the continuity of the king.s two bodies conception in the Portuguese eighteenth century. Considering this analysis, it will be possible to evidence which way the Oliveira Martins. discourse and his Historia de Portugal inspired Jose Saramago in his composition of Memorial do convento.
Collections
- Teses & Dissertações [9330]